Escritores entram em moda e saem de moda no Brasil com rara velocidade. Casos recentes do cubano Pedro Juan Gutiérrez e do francês Michel Houellebecq. Sumiram das páginas literárias. O primeiro ainda teve uma passagem pela Bienal do Livro de Pernambuco e deixou alguns leitores decepcionado ao fugir de perguntas sobre a situação política em Cuba. Também não se vê muita coisa sobre ele na mídia internacional. O segundo, não. Desapareceu por aqui, mas continua em alta em várias partes do mundo. Não só pelo escreve, mas por uma vida um tanto movimentada e politicamente incorreta. Houellebecq faz parte de uma estirpe que, sem a menor cerimônia, mistura vida e obra. De preferência com muito álcool. Não é por acaso que resolveu refugiar-se na Irlanda.
Faz tempo que não se via um escritor assim. Houellebeq desperta paixões e ódios com seus textos recheados de ataques ao islã, ao turismo, aos governos e especialmente às mulheres de 30 anos psicanalisadas. Para alguns, o novo Balzac da crítica francesa expõe as chagas da civilização ocidental contemporânea. O New York Times Magazine, por exemplo, adora: "é um dos melhores escritores franceses dos últimos 20 anos". Os que detestam são mais curtos: Houellebecq é um imbecil. No Brasil, mal comparando, ele estaria reduzido à categoria de um Diogo Mainard. O que, dependendo do gosto do freguês, pode ser um elogio ou uma crítica.
Só que Houellebecq, além de escritor, é um belo caso clínico. Filho de hippies nascido na ilha de La Réunion, na costa de Madagascar, foi deportado pela família para a casa da avó, em Paris, onde teve uma adolescência problemática, viciou-se em morfina e álcool, passou por hospitais psiquiátricos e pisou em todas as jacas que encontrou pelo caminho. Como adquiriu um belo texto em lugar de uma cirrose é um mistério. Como virou best-seller é outro. Hoje, Houellebeq escreve de porre, fuma um cigarro atrás do outro, mantém um casamento aberto e freqüenta casas de swing.
Em 1998, Houellebecq vendeu mais de 300 mil exemplares de Partículas Elementares. No livro, desanca a revolução sexual dos anos 60, numa escrita eivada de baixarias e agudas observações sobre a sociedade francesa. Em Plataforma, a obra mais recente, o protagonista é como sempre o próprio Michel (não tem esse papo de “um pouquinho de autobiografia”; tudo que está ali se passou ou teria se passado com o autor), funcionário público que resolve visitar a Tailândia nas férias. Ali procura sexo barato e algumas bizarrices. Na viagem, envolve-se com uma agente de turismo. O que rola? Sacanagem de altíssimo grau incrivelmente misturada com elegância. O curioso é que, nem de longe, Houllebeq lembra escritores assumidamente bebuns e safados, como Charles Bukowisk ou o cubano Pedro Juan Guterrez. O francês, como se dizia no Orkut, é muito mais “heavly”. Em todos os sentidos.
Com Extensão do Domínio da Luta Houellebecq exercita com mais gosto a ausência de autocensura e o niilismo ao contar a história de um analista de sistema (ele mesmo?) que viaja a trabalho até a cidade de Rouen, acompanhado de um amigo, Tisserand, que nunca se dá bem com as mulheres. O narrador procura ajudar à sua maneira. Sugere que Tisserand esfaqueie um casal de namorados para se vingar do descaso feminino por sua figura asquerosa. No livro, o personagem também vai a uns bares encher a cara, esculhamba a psicanálise - responsável, segundo ele, por perpetrar “uma escandalosa destruição do ser humano” - e, como sempre, defende sua admiração “por certas práticas de uso do corpo”.
Como não existe uma crítica literária associada à Farmacologia fica mais difícil enquadrar Houellebeq. Mas seu prontuário dá margem a observações do tipo tostines: ele escreve aquilo porque está bêbado ou bebe porque escreve aquilo?. Seja como for, o resultado - descontando as implicações políticas – é o melhor possível.
O certo é que é possível deliciar-se com a incrível dose de humor daquelas linhas e entrelinhas – concordando ou não com as ideias do autor. Talvez seja um caso contraditório de humor involuntário de alta qualidade.
_lulafalcao
sexta-feira, 26 de março de 2010
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2 comentários:
Bem, eu já gostei daquela trilogia imunda do Gutiérrez, agora estou curiosa por esse Houellebeq. Vou atrás do "A possibilidade de uma ilha".
Rodrigo Cortez
Lula, fiquei curioso. Não sou muito chegado a escritores "bebuns", mas vou tentar ler algo desse cara. Escritores que levam uma vida excessivamente desregrada, me cheiram a whisky paraguaio. Drogas, álcool e sexo em dosagens absurdamente excessivas sempre alavancaram vendas e leitores. Caras como Bukowski, por exemplo, mesmo que inconscientemente, criam um "tipo" que, em muitos casos, são maiores do que o que escrevem. Nesse aspecto, acho os "caretas" mais revolucionários, vide Kafka, Machado, Guimarães Rosa, Fernando Pessoa, etc. Posta alguma referência bibliográfica do cara. Vou tentar ler algo e depois comento aqui. Abraço.
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