Morei em Brasília quando era criança. Voltei a Brasília muito tempo depois como jornalista. A cidade da infância parecia distante. Só enxergava ali, nesse retorno, o centro do poder, um ponto obrigatório para repórteres de política. Só isso. Voltar a São Paulo, ao fim de três ou dois dias no Planalto era um alívio.
Não era quando a conheci. Foi a descoberta de um menino do interior que nunca tinha visto, por exemplo, alguém que tivesse nascido fora de Alagoas ou Pernambuco, meus dois estados natais, se é que isto pode. Brasília era acima de tudo a descoberta do Brasil, os sotaques diferentes dos gaúchos e cariocas, a paisagem cheia de novidades: o primeiro supermercado, o primeiro cinema decente, o primeiro ônibus, o futebol – nos vídeotapes vindos do Rio ou São Paulo ou no campinho da super quadra – e principalmente os amigos. Sob os pilotis, conversávamos sobre tudo e, um pouco mais tarde, também percebíamos sem entender direito a presença da ditadura, com prisões de vizinhos, prisões na UNB e até prisões de professores no colégio em que estudei.
O certo é que, durante anos, mantive certa antipatia com a capital. As visões da infância continuavam vivas e boas. As do repórter, nem tanto. No início dos anos 80 tive um sonho em que os gabinetes do Congresso se tornavam um amontoado de escritórios de contabilidade, clínicas de aborto, dentistas baratos e sex shops. O plenário abrigava moradores de rua. Eu estava contaminado por aquela ideia de que a cidade emanava corrupção quando, na verdade, era apenas o local para onde os corruptos de todos os estados convergiam para dar seu expediente.
Minha opinião talvez tivesse também a ver com a arquitetura. Os palácios que me deslumbraram na infância não seriam agora meio cafonas? O que é aquilo? Um monumento ou marco do modernismo. Investia contra a idéia de Brasília como cidade, usando argumentos lugares comuns, como a falta de esquinas etc e tal.
Hoje tenho uma impressão mais conciliadora. Concordo com o arquiteto inglês Kenneth Frampton, que assina o ensaio de apresentação do livro “Marcel Gautherot – Brasília”. Kenneth já esteve em Brasília em 1965 e antes de escrever para o livro queria voltar à capital. Voltou em 2002. Viu uma cidade diferente, com árvores já crescidas, o verde unificando as quadras, sinais de qualidade de vida. Mesmo assim, manteve sua opinião: a melhor obra de Niemeyer é anterior a Brasília. Em artigo no Estadão do dia 11, ele elogia prédios como o do Itamarary, mas acha que, no conjunto, a obra de Niemeyer é formalista demais. Mas, acrescenta: “nenhuma das cidades-capital contemporâneas fundadas após a 2ª Guerra pode se igualar a Brasília, seja pelo caráter monumental, geomântico, da sua concepção, quanto à subsequente rapidez de sua realização”.
Paradoxalmente vejo agora Brasília como uma cidade antiga, a cidade da infância e de seus alumbramentos. A cidade dos meus primeiros amigos da SQN 312. Dos quais nunca mais ouvi falar. Apesar de tudo foi uma sorte grande ter visto tudo aquilo surgir do nada diante dos meus olhos.
_lulafalcao
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário