quinta-feira, 6 de maio de 2010

Minhocão

O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, pode terminar seu mandato com uma grande obra: a demolição do elevado Costa e Silva, mais apropriadamente conhecido como Minhocão. A queda dos 2,7 quilômetros do monstro de cimento teria muitos significados. É também a demolição do conceito urbanístico de políticos como Paulo Maluf, seu construtor, e o fim da idéia de cidade concebida nos anos 70, no auge da ditadura militar.

Idealizado pelo prefeito Faria Lima (1965-1969), mas tirado da gaveta por Maluf, o Minhocão é um monumento à crueldade. Para urbanistas de hoje – e muitos de ontem, também – aquilo não era um projeto de arquitetura, mas uma obra de engenharia bruta, que destruiu parte do centro de São Paulo, engolindo um pedaço da Praça Roosevelt, na Consolação, até o Largo Padre Péricles, em Perdizes. Pior: ao passar por cima da Rua Amaral Gurgel, o elevado torna-se a única paisagem para moradores de apartamentos do local. Abrir uma janela ali é dar de cara com um cenário de desolação, poluição e barulho constante. Não por acaso, o cineasta Fernando Meireles escolheu o Costa e Silva como uma das locações do lúgubre “Ensaio sobre a Cegueira”.

Seria bom para São Paulo, cidade em eterna construção, destruir de vez em quando alguma coisa - ou pelo menos parar de erguer novos equívocos. Aos poucos, também poderiam sumir da paisagem alguns daqueles prédios “neoclássicos” absurdamente tardios - alguns deste século. Não chegam a incomodar como o minhocão de Maluf, mas envergonham pela tentativa de reconstruir um passado que não nos pertence. Os “neoclássicos” remetem a uma “disneyficação” da cidade, como bem lembra o arquiteto Edson Mahfuz. Já o elevado Costa e Silva vai muito além da agressão estética. É agressão física.

OS: ao contrário do que muitos dizem, São Paulo é uma bela cidade. Mas pontuada por terríveis enganos arquitetônicos.

_lulafalcao

Nenhum comentário:

Postar um comentário