domingo, 22 de agosto de 2010

Uma intelectual por osmose

@ Nunca acreditei nas amigas que diziam que gostavam de ficar em casa lendo e ouvindo um som. Mentira. Naquela idade, eu não parava quieta. Gostava de sair. Por isso, quase toda minha cultura vem por meio de terceiros, nos bares, de gente que lia mesmo, e passava tudo de segunda mão pras meninas. Umas embarcavam, interessadas; outras caiam fora e se transformavam no que hoje chamamos de patricinhas. Para não ser patricinha é preciso ter um instinto elaborado – uma coisa anterior à inteligência. Eu tenho; as patras não têm.

@ Não li quase nada até a chegada pra valer da Internet. Sou da transição Altavista-Google. Mas posso conversar horas sobre a obra de Proust sem nunca ter aberto um livro dele. Ouvi tudo, atenta, por ai, no Brasil. Nessa marcha, fui evoluindo, passei a fazer uma estante imaginária de amigos-amigas-namorados-namoradas. Cada um era um livro vivo. De certa forma, então, eu lia neles. O tempo correu, passei a ler de verdade e hoje até compro a revista Piauí.

@ O chato é encontrar esse pessoal que faz mestrado e doutorado. Acadêmicos. Querem tudo certinho, com datas e outros pormenores, e assim a conversa fica quebrada, cheia de interrupções, só porque às vezes confundo datas, nomes e autores. Só faltam dizer: livro tal, tantas páginas, edição de mil novecentos e tanto, capa dura. Vão se fuder, né?

@ De resto, era respeitada pela turma do bar pela simples razão de ser meio intelectual, meio de esquerda, como diz o Antônio Prata. Mas acima de tudo por entender e rir de piadas, digamos sofisticadas, como aquela do Kant, I can’t e a universidade de Havard. Não vou contar aqui porque esqueci.

@ Outra coisa inevitável para gente do meu tipo é ser acompanhada por um séquito de gays durante um certo período da vida. São conselheiros sentimentais, produtores de seu dia a dia, amigos leais, mas somem ao menor sinal de bofe. Depois ressurgem, chorosos, vindos de algum insucesso amoroso. Nessas horas, dou uma assessoriazinha básica.

@ Entro nessas reminiscências enquanto encaixoto minhas coisas. O casamento acabou, o filme não saiu, mas não fiquei inteiramente no prejuízo. Uma pensãozinha alimentícia vai dar para pagar o aluguel da quitinete – mais uma -, a banda larga e o miojo de cada dia. Agora disponho de tempo integral para o twitter e para escrever sobre minha vida. Espero que meus fracassos façam algum sucesso. O leitor médio adora a desgraça alheia.

@ Em todo caso, menos mal. Estarei envolvida com minhas partes sem a interferência pouco especializada de maridos e afins. Problemas, sofrimentos? Passo uma camada de Rivotril por cima. Lidarei comigo com condescendência, sem exigir nada em troca. Exceto, claro, alguns orgasmos auto-induzidos. É o que se leva deste mundo.

@_lulafalcao

4 comentários:

Vany disse...

Vc não precisa de comentários, rsrsrs! ;o)
A cada post que leio me pergunto se este seu avatar é mesmo masculino... simplesmente NÃO PODE SER! É por D+ "entrão" na alma, drive, no ser feminino. Enquanto não der de cara com vc literalmente escrevendo estes posts, ñ acreditarei que, por trás deste avatar, está uma mulher real escrevendo estas histórias com vc apropriando-se dela - o que, não raro, aconteceu muito na literatura mundial, ou, ainda melhor - é uma de nós, mulher feita de bunda larga, peito e TPM, que resolveu sacanear o mundo dos homens, escrevendo com nome de falcão sabe-se lá por qual motivo! #prontofalei

Bernardo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lula Falcão disse...

Sou homem (pai e avô) e gosto de prestar atenção ao que elas dizem e fazem. Só isso.

Titi Tavares Pe disse...

A tuiteira é na verdade um pedaço de cada uma de nós, que não passamos por essa vidinha achando que tudo foi exatamente como deveria ser. Deu tudo errado... mesmo! aínda bem.

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