sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A última viagem

@ Estamos em 2040. Cheguei com o passar do tempo e quem ficou ai atrás também pode estar aqui, a menos que tenha morrido. Eu sei, é muita confusão para quem vê a vida com a perspectiva de décadas de atraso. O certo – vocês não vão entender – é que agora é possível mandar uns recadinhos para o passado – e até dar um rolê nostálgico de vez em quando por ai. O que se pretende, nesta despedida, é contar um pedaço do fim do filme.

@ Vivemos mais, o mundo não acabou - o que é uma pena -, mas mergulhamos numa vida tediosa, com quase uma única diversão: retroceder no tempo. Posso, enfim, entrar no twitter de hoje e escrever para o de ontem. O equipamento é bom, embora a viagem não seja lá muito garantida. Dizem até que esse vício – o de voltar – acaba com o organismo da pessoa. Só que já sobrevivi a viagens muito piores. Eu e o Ozzy. Não sei como atravessei esses anos todos. Como diz o Neil Young: "queria arder, não durar." Tal projeto, como se vê, não deu certo.

@ Vamos lá. Sobre 2014, por exemplo, posso dizer que o Brasil ganhou a Copa. Mas pra que? Pra nada. Houve uma apatia geral no País, como se fosse a vitória de um mauricinho brasileiro qualquer numa competição da hípica. Falar nisso, não existem mais cavalos.

@ O que vocês chamam de futuro é meio chato, cheio de regras, ninguém pode beber, a burocracia estatal tomou conta do mundo das drogas virtuais e o que era rotina pra mim tornou-se exceção. Até o sexo ficou démodé. Acelero umas partículas de vez em quando. Dá um baratinho. Rápido. O que faço, então? Viajo para o passado. Caio quietinha, encho a cara, pego o primeiro lindo e volto. Mesmo assim, isso cansa.

@ Bom, nem vou poder revelar muita coisa além do que já disse. Hoje tem aula de Yoga (outra que sobrou) e não posso estar em dois lugares ao mesmo tempo. Ou posso? Posso. Mas preciso ir. Antes só queria dizer que algumas coisas continuam na mesma e outras evoluíram bastante. Ou seja, ainda tem pobre e PMDB, mas o I-Phone acabou de lançar seu milésimo modelo, cujas propriedades prefiro declinar porque, como escrevi lá em cima, vocês não vão entender. (ou “iriam”, sei lá, depende de onde estamos, pois Física e Linguística se tornaram uma coisa só).

@ Talvez o mundo do futuro nem seja tão enfadonho assim. Eu é que estou ficando velha. Dois filhos, marido, netos – todos feitos por inseminação artificial, inclusive o marido -, um monte de coisas que no fim da década de 10 soavam meio absurdas para mim. Mais absurdas até do que as novidades de hoje (ou amanhã, passa essa parte). Basta dizer que bafômetro ainda resiste, mas ele é implantado nas crianças, na hora do nascimento. Quem não viaja no tempo como eu, nasce, cresce e morre abstêmio. Pense que desgraça.

@ Chega. Vou pegar meu lugar na fila da yoga. Posso voltar amanhã ou não posso voltar nunca mais. Tudo tem chance de mudar, inclusive o futuro. Mas deixa como está, aliás, como estará. Melhor não correr esse risco. Dizer que o mundo dá muitas voltas pode ter sido meio óbvio no passado. No meu tempo, lá adiante, não. Houve um probleminha quântico e o planeta deu uma parada. Resultado: uma parte é dia; outra parte é noite. O tempo todo. Por azar, deu-se que a vida noturna no Ocidente já era (ou já foi). Aqui, é sempre claro, enquanto parte do Oriente, como o Nepal, virou uma espécie de Rua Augusta mundial.

@ Vou-me embora antes que apareça um monte de físicos e psiquiatras dizendo que isso é impossível, que não é viagem no tempo, é viagem de ácido e já estou de teoria das cordas até o pescoço. E se eles tiverem razão? E se for só uma bad trip? Pouco provável. Trouxe meu tíquete. De vinda e ida. Melhor cair fora (ou dentro), deixar todo mundo em paz, até porque esse espaço-tempo é meio abafado. Ah, ia esquecendo. Não tem mais Lua. Foi encolhendo, encolhendo, igualzinho diziam (dizem) no History Channel e sumiu. Sorte que os caras fizeram uma gambiarra que até funciona direitinho.

@ Encerro por aqui. Até 2040.

FIM


@_lulafalcao

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