Como existem fins de piada sem começo - criados por Millôr Fernandes - também existem romances sem meio e fim. Só o primeiro parágrafo. Vários candidatos a escritor guardam o início de uma obra-prima que nunca souberam desenvolver. Outros descobriram que seria impossível partir dali para outro lugar. Pelo menos com os recursos lingüísticos disponíveis atualmente.
Um amigo da adolescência guarda até hoje seus escritos iniciais. Vários livros começados. Num deles, obviamente sem futuro, tratava de uma moça “com sorriso vegetal”. Uma Capitu da clorofila. Para ele, um dia a frase faria sentido no reino animal. Não fez, mas permanece lá, à espera de continuação. Porque não se muda um começo. Melhor partir para outro. Assim, um dia, ele formou uma quase biblioteca de romances que não deram a largada.
Um blog português - Pó dos Livros – se embrenha nesse assunto sem muita importância aparente ao afirmar que o primeiro parágrafo ou frase de arranque do livro é essencial para o seu sucesso. Na sequência, o blog enumera alguns exemplos de inícios de livros no mínimo duvidosos:
“A sua flatulência levantava-o como um garanhão orgulhoso”.
“Desde que me conheço como gente que tenho hemorróidas”.
“Embora flanqueada por dois soldados espadaúdos e morenos, Paula desviou o seu olhar para o saxofonista gordinho”.
“Robert era novo nestas coisas da prisão, e sentiu-se assustado, confuso. Mas no momento em que ele pôs os olhos em 472825994, tornou-se um prisioneiro do amor”
“Nicole deixou cair dos seus ombros a blusa de seda que envolveu a perna esquerda de James, que, habilmente, cortou um pedaço de queijo.”
“O cabelo de Scarlet era vermelho como as minhas persistentes feridas gangrenadas”.
“Ele agarrou o meu sutiã como um Concorde que levanta voo, mas eu não estava preparada para o amor”.
Meu amigo preferia cair no incompreensível a cair no mau gosto. Preferia o “sorriso vegetal”. Na verdade, ele gostava mesmo era do começo de Cem Anos de Solidão, mas nunca ousou na mesma linha para não ser acusado de plágio. No entanto sabia de cor as primeiras palavras de Gabriel Garcia Marques. Recitava nas festas:
“Muitos anos depois, em frente ao pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía haveria de recordar aquela tarde remota em que o seu pai o levou para conhecer o gelo”
@_lulafalcao
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
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