O problema de Emanuel, escritor independente, é que sempre mistura as coisas. Vida real e literatura num mesmo pacote. Então para ter o material do próximo capítulo, é preciso de um algum desregramento – ou melhor, muito. Nada contra a farra. O problema é o livro. O risco é enorme, pois grandes impressões de si próprio podem ter pouco interesse para o leitor – ou pior, até para o bêbado da esquina.
Emanuel, no entanto, se acha o máximo nas festas, um Scott Fitzgerald. Mas expõe aquilo, no livro, em frases pretensamente espirituosas, que tinham a ver como o momento em que foram ditas. Depois se perderam para sempre.
Na vida festeira, Emanuel repara muito nas pessoas, no que elas falam, para depois reproduzir neologismos e gírias como se fosse íntimo delas. Soa falso – Emanuel prefere fake – porque aquilo, nos seus escritos, não sai da boca de uma personagem, mas da sua própria, numa situação que fica entre o voyeurismo e o plágio. O defeito dele, porém, não é só esse, antes fosse. O escritor piora o que as pessoas disseram e até mesmo o que ele disse. Trata-se, na prática, de uma reprodução medíocre da vida real.
Mas Emanuel nasceu para ser primeira pessoa. Autocentrado, sempre está apegado ao “fiz e aconteci”, em grande parte porque ele tem, sim, alguns poucos leitores. Leitores tão fiéis que se transformam no seu restrito grupo de amigos. São amigos-personagens. Todos estão em seus livros, todos sabem quem é quem, não ligam em serem maltratados em algumas linhas, porque acham legal viver duas vezes: no real e no imaginário do amigo escritor.
Claro que Emanuel assume, no grupo, uma posição implicitamente superior, que é respeitada. Não escreve em jornais, não aparece na TV, não está nas redes sociais e mesmo assim seu pessoal não arreda o pé, achando que toda essa falta de evidência não é defeito, mas qualidade.
Um dia Emanuel tentou colocar um crítico contra a parede. Um dos raros que se interessaram por sua obra. Perguntou, com toda solenidade e quase soberba: “por que a literatura tem que ser melhor do que a realidade?”. O cara reagiu no suplemento de domingo, dizendo, em suma, que sim. A literatura tem que ser superior à vida. O jornalista citou até Gilles Deleuze: “Não se escreve com as neuroses. A neurose, a psicose, não são passagens de vida, mas estados nos quais se cai quando o processo se interrompe, quando está impedido, preenchido”. Emanuel reagiu com uma carta à redação mais ou menos afirmando que a literatura é uma forma de loucura, mas não houve a esperada repercussão e o caso morreu por ai.
Nenhum abalo. A vida e a literatura de Emanuel seguem seu curso. Sempre juntinhas.
@_lulafalcao
sexta-feira, 24 de junho de 2011
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