Nesta idade ainda faço coisas bacanas. Uma delas é imitar a mim mesmo quando jovem. Na verdade, é um retrato meio irônico da minha geração, seus trejeitos e modismos. Quem viveu o período, acha graça. Quem ainda estava para nascer, não entende, mas fica curioso. Mostro como os homens se comportavam naquela época diante das mulheres e da vida. Lembro frases interessantes, certos reclames de rádio e pessoas pitorescas. Na platéia, senhoras quase minhas contemporâneas se esbaldam, mas suas netas e bisnetas apenas fazem perguntas. Ficamos, eu e as jovens, naquele impasse: elas não sabem como foi nosso tempo; eu não sei quase nada sobre hoje. Enquanto dou o espetáculo, elas mexem em seus telefones portáteis – inimaginavelmente pequenos – e mais se admiram pelos meus 100 anos tão viçosos do que pelo script em si.
Na forma e conteúdo é um show sobre comportamento. Creio que deveria tê-lo feito durante a juventude, ganharia em graça e atualidade, mas não faz mal. As meninas prestam alguma atenção, pelo lado épico, e eu uso aqueles momentos para olhar as mocinhas bem de perto. Suas ancestrais, ainda vivas e ali postadas, não me emocionam do ponto de vista sexual. Quando me refiro a sexo, não se enganem, estou tratando de algo subjetivo e distante, apenas o assombro de ver peles tão sedosas, em shorts justos, exibindo uma exuberância carnal lamentavelmente inexistente na segunda quadra do século passado. Por que não era assim antigamente? Por que aqueles vestidos que cobriam até os pensamentos? Sempre sonhei com mulheres quase desnudas, com as que existem agora, mas é tarde demais para anseios de ordem prática, embora algumas vezes tenha me imaginado o correr dos meus dedos nessas coxas grossas e rijas dos dias atuais. Essa Clarinha, então, poderia estar no meu colo. Ela não faria isso. Talvez por medo de triturar minha bacia.
Para não ser apenas uma aberração anacrônica, um velho centenário contando piadas de salão e ensaiando passos de maxixe, teria que remoçar ou pelo menos aprender como o funciona o universo dessas moças. Pode ser tarde, mas ando tentando. Como uma pessoa da minha idade pode sair à noite, falar em telefones que se levam para a rua, transmitir mensagens escritas e até imagens pelo mesmo aparelho? Como devo me vestir? A bengala e os suspensórios são tão presentes na minha indumentária. Lamento não ter nascido bem depois dos anos 10.
O importante é que sigo com o show e a audiência está cada vez maior. No jardim da velha casa temos chás ingleses e medicinais. As meninas trouxeram outras ervas. Elas fumam aquilo, não ligo, mas o cheiro não é muito agradável. Às vezes perco o fio da meada, fico olhando para a de saínha curta, mas logo me recomponho, pois a memória permanece viva, pelo menos para fatos com mais de 50 anos. Dia desses desandei a falar sobre 1936, ano bom, cheio de histórias e progresso material. Pulei para 54, a morte de Getúlio, e uma das moças perguntou quem era Getúlio, eu disse Getúlio Vargas e ela se lembrou por causa dos livros de história.
No começo da noite, todas vão embora – as velhotas e as gerações seguintes. Fico sozinho, meio triste, mas preparando o novo espetáculo. Não quero ficar repetitivo. Se estiver vivo no ano que vem vou montar o que pessoal chama de Stand up comedy.
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