Para minha amiga roteirista o texto é muito mais do que uma fonte de renda. É tudo. A vida diante do precipício, inferno e céu, mar calmo e mar bravio, amores e separações, juventude e morte. Um mundo real. Só que mais bem escrito e turbulento, emocionado ao extremo, sem meio termos, oito ou oitenta. Dramaticamente intenso. Escrevendo, ela chora, sua frio, ri feito um louca e, em casos mais graves, desmaia. Despeja sentimentos em forma de enxurrada, inundando sua alma sensível e seu quarto espaçoso. Já baixou ao hospital por causa de uma frase. Uma palavra pode provocar depressão ou ansiedade. Às vezes, uma letra tirar-lhe o sono. O “W”, por exemplo, espeta suas costas.
O texto diz-lhe verdades, traz boas notícias, abre um vale de lágrimas ou um campo florido povoado de noviças rebeldes. A escrita explode a cada parágrafo, estoura os limites da emoção e se ela esbarra no mau gosto, acerta o passo na sequência, transformando um pântano de breguice numa delicada paródia. Chega a achar que não existe de fato – é apenas um personagem de si mesma.
Ela não tem a afetação pública de alguns escritores, mas é enormemente afetada quando escreve. Nem os ansiolíticos resolvem seu mergulho na história. Linhas tristes, tristeza de verdade. Quando a ouve, o analista sente-se num congresso de literatura. Só ficção. Nenhum pio sobre aflições reais. Mesmo porque o analista é mais do que analista; também é personagem dela. Está em seu próximo livro, numa trama sem saída, recheada de situações desagradáveis e um suicídio quase escatológico. Os dois terminam conversando sobre o desenrolar desse romance trágico. Ele não se conforma com a idéia de morrer no final – muito menos daquele jeito.
Outra fonte de desespero são as influências. Quanto se afunda na alma do personagem lembra que alguém já fez parecido, talvez Clarice ou Conrad. Noutras horas, sente-se escrevendo à Somerset Maugham e grita: “não!”. Se andou lendo Machado logo aparecem ironiazinhas bem clássicas e ela desce as escadas do prédio, correndo, para uma volta no bairro, sem destino.
Minha amiga quer uma literatura selvagem, sem interferências externas, ligada ao sistema nervoso central, com a exasperação no talo. Nem sempre consegue. Nessas horas, a família entra em cena e a recolhe para uma semana na Clínica.
Publicado no malvadezas em 09/11
quarta-feira, 9 de novembro de 2011
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Um comentário:
Muito bom, Lula.
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