Dos sentidos, o cheiro e o tato são os mais desprezados. Os restantes são contemplados até com críticos. Há críticos de música (audição), cinema (audição e visão), artes plásticas (visão), teatro (visão e audição), mas não existe – pelo menos não conheço - um famoso crítico ligado ao univers do cheiro ou do tato, no caso específico dos adores, um especialista em senti-los e transformá-los em palavras. Não se trata apenas de alguém que tenha escrito sobre o assunto, como Patrick Süskind, em O Perfume. O que faz falta no meio das artes é uma Pauline Kael ou um Humberto Eco do aroma. Ocorre o inverso. Como algo a ser escondido ou dissipado, o cheiro é jogado para longe de qualquer debate intelectual. Hoje, por exemplo, ao consultar o Google apareceu a banda Cheiro de Amor no topo de página.
Por mais que se tente enredar pelo cheiro, ele nunca terá o status da visão. Pode-se dizer que tal filme ou livro é realista ou reacionário. Jamais se dirá o mesmo de um determinado cheiro, se ele é marxista ou pós-moderno, hermético ou de apelo popular. Não há bilheteria para o cheiro. Ninguém vai a um local como o cinema para apreciar sensações olfativas. No futuro talvez a TV emane alguma fragrância, mas ainda assim será uma coadjuvante, enfeite de uma cena.
Sei que vão aparecer comentários indicando uma extensa bibliografia sobre esse comentário aparentemente insignificante. Pior: quem sabe não estou dando uma opinião de torcedor de Bonsucesso, com diria Nelson. Corro o risco. Só aceitarei como contraprova nomes do mundo do cheiro capazes de ombrear com Michelangelo e Proust. Até lá, mantenho a perplexidade ao perceber que o cheiro, em termos de arte, só estaria precariamente relacionado com a perfumaria, palavra que remete ao odorífico e também ao supérfluo.
O cheiro está sempre associado a outras coisas, quase nunca a si mesmo. Entre tantos outros, temos cheiro de terra molhada, o cheiro acre, tudo no ramo das comparações, e o cheiro indescritível, que explica muita coisa. É difícil escrever sobre cheiro porque os adjetivos não o explicam ou o efetivam completamente. A palavra precisaria de...cheiro. Ai pode estar o problema. Por pertencer ao mundo invisível e não produzir barulho, o cheiro torna-se um mote complicado para escritores e assemelhados. O quer dizer sobre o cheiro sem cair na seara bioquímica? Nesse caso, fórmulas e descrições de produtos provocadores de determinado odor não chegarão aos nossos narizes como informação integral e farejável. Falta o cheiro.
Enquanto escrevia os rasteiros comentários acima, Fabiano Camilo - via Memélia Moreira -, sugeriu um livro - Saberes e Odores, de Alain Corbin (Companhia das Letras). Em termos históricos, segundo a sinopse, parece interessante. Mostra que os diversos cheiros começaram a ser analisados e classificados a partir do século XVIII. “Os maus odores, antes tolerados, tornam-se insuportáveis. Passam a ser vistos como propagadores de doenças, arautos da morte e da putrefação”, afirma Dominique-Antoine Grisoni, do Le Matin. Também se refere a um "silêncio olfativo" que hoje nos cerca. Vou conferir.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Adoro seus textos. Como dizem, a assinatura já virou griffe.
Tenho uma amiga que a primeira coisa que faz com um livro é abri-lo e sentir seu cheiro. Deve influenciar na escolha,mas creio que não de forma definitiva
Postar um comentário