O sangue começou a escorrer pela rua principal de Santana do Ipanema, no sertão de Alagoas, e a testemunha desta cena, o músico Ortinho, ficou assustado e curioso. Primeiro porque nenhum dos passantes deu a menor atenção à hemorragia cobrindo os paralelepípedos. Segundo pela própria resolução da história: crianças maltratadas carregavam cabeças de porcos sob os braços e elas eram a origem do vermelho que já atingia as sarjetas. A situação se repetia a intervalos pequenos. Mais meninos com cabeças de porcos recém-decepadas, mais sangue esguichado ladeira abaixo. Os carregadores de cabeça saíam do matadouro público com o almoço da família.
Hoje já se discute a interdição do matadouro, em nome da saúde pública, mas o procedimento macabro, quase a céu aberto, persistiu no século XXI. Santana do Ipanema sangrava ao sol do meio dia.
Não havia apenas o sangue nas artérias centrais para abismar os visitantes. Vez por outra a cidade era invadida por pragas de insetos. Nos anos de 1960 foram recolhidas toneladas de grilos nas casas e nas ruas. Duas décadas depois, chegaram os besouros - os chamados “rola-bosta”, grandes como ratos e em quantidades bíblicas. Sumiam de uma hora para outra. Os moradores não tratavam as nuvens de artrópodes com horror ou asco. Era no máximo um contratempo.
Enquanto chovia insetos, morria gente, quase nunca de causas naturais. As pessoas eram abatidas em plena luz do dia. Pequenas brigas de bar eram resolvidas à bala ou à peixeira. Maridos traídos, políticos, fazendeiros e comerciantes contratavam pistoleiros com regularidade, dando vazão a rixas de famílias e de grupos partidários. O sangue, então, voltava a escorrer - algumas vezes misturado ao dos porcos.
Até hoje fico abismado com os ares de realismo fantástico da Santana do Ipanema. Mais abismado ainda quando lembro que nasci lá.
sábado, 10 de dezembro de 2011
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