“Luzia, luzia”, escreveu o compositor, achando um achado ou achando que achou. Adorava trocadilhos e frases sobre luz e mar, além de verbos junto com nomes de mulheres. Tinha musas, frequentava luaus e lia Eduardo Galeano. Experimentou sua maior glória no tempo das letras de música com status de poesia. Não era grande coisa, mas dava para viver de shows em teatrinhos de sua cidade e até incursionar em outras partes do País, especialmente onde tinha amigos. Havia ainda os diretórios acadêmicos para escutar seu violão, e depois sair com parte da plateia, ou a plateia inteira, para as badalações, noites sem fim, e tome mais composições inéditas, algumas feitas na hora, com novos parceiros, muitos conhecidos naquele mesmo dia. Namorava, bebia, fumava muitos, roliúdes e béquis, e corria para casa da mamãe quando a coisa apertava.
Hoje, 30 anos depois, está na merda. Não gravou um disco nem ficou famoso, como pretendia. Chegou perto. Conheceu um produtor de gravadora no século passado e o cara achou que podia tornar sua música mais palatável para o público. Piora aqui, piora ali, e estava feito. Mais um nome nas paradas. O herói da MPB não aceitou o arranjo e o tempo foi correndo, as meninas sumiram e a vontade de transformar o mundo perdeu-se no passado. O caminho para a miséria foi curto, como sempre, e o animal extinto, o compositor popular, homem das letras, estava solto por ai, com mais de 50, três filhos de três mulheres e dois netos.
Vez por outra tenta. Toma o ônibus com o violão e as pessoas observam estáticas, mas algo me diz que estão meio escandalizadas com uma cena tão antiga. Poucos andam hoje com violões debaixo do braço. Ele conseguiu trabalho num bar. Um bar muito pequeno e modesto para suas pretensões de 30 anos atrás. Senta no banquinho, afina o instrumento e dispara o repertório exigido pela freguesia. As pessoas que vão a barzinhos, com destaque para as que usam a expressão “barzinho”, estão ali para ouvir MPB. Mas a MPB de sempre. Não é dado ao artista o direito de apresentar suas próprias músicas, mesmo que elas tenham três décadas. Não importa, são desconhecidas. Então, o pessoal está nos barzinhos para repetir o mesmo ritual, como ir à missa do domingo.
Nosso herói está numa situação desagradável. Não teve auge e termina a carreira num lugar pior onde começou, sem o assédio das meninas, sem amigos cantarolando suas letras, sem nada. Instinto de sobrevivência em estado puro. Canta, no tom burocrático, quase todos os standards da MPB. O pessoal do barzinho parece entediado. Há casais silenciosos e outros fregueses nem ai, conversando alto, às vezes no celular. A apresentação, ainda bem, está quase no fim, entra o “Bêbado e o equilibrista” (caía a tarde feito um viaduto etc.), e é hora de voltar para casa. Com o violão debaixo do braço.
A história do herói da MPB passa rápido. Dias sobre dias, o barzinho e o violão, ônibus lotados, café na padaria e grana curta. Um dia resolve gravar um CD num pequeno estúdio do bairro. Uma coletânea, pois não compôs nos últimos anos. A obra está pronta. Ouve, ouve mais uma vez e o velho senso crítico lhe diz o pior – tudo aquilo, a música que embalava as moças nos DCEs, perdeu a força, o charme, o bonde. Nem chega perto do Djavan que canta no barzinho (Aaaaaiii... Quanto querer cabe em meu coração etc.). Então ele desiste. Até que foi bom, enterrou uma era. Luzia não luzia mais.
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
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