“Hei, Dionísio, traga mais uma cerveja”, ela pede, aos gritos. Dionísio não é o garçom, mas o deus grego, filho de Zeus e da princesa Semele, a entidade das bebedeiras, seu preferido das aulas de Filosofia da PUC. Da mitologia, sobrou ele, para empurrá-la às farras. Todo dia a mesma coisa até ficar chapada, ininteligível e alheia, mas ainda com desejo e resistência. Severino, o garçom de verdade, deixa mais uma garrafa sobre a mesa e a noite segue sem muito futuro, pois os outros já entregaram os pontos. Menos ela.
Quase 50 anos, era hora de moderar, caso seguisse os conselhos das revistas sobre saúde e vida saudável, sua leitura de cabeceira nos últimos anos. Não. Continua no culto dionisíaco, e mesmo que ninguém se apresente parte sozinha para outro bar, embora já seja quatro da manhã. É inacreditável que continue bonita sob a enxurrada de álcool, mas não tanto para conquistar homens mais novos, com corpo e cara daquele modelo helenístico do Louvre - sua fixação sempre que bebe e bebe sempre. Então, vai com qualquer um abaixo dos 30, porque os ex-colegas de escola dos anos 80 ficaram carecas e barrigudos. Eles servem para a conversa, não para o sexo.
No dia seguinte, ela não tem ressaca moral. O negócio é aproveitar a vida, cada segundo, sem depressões. Quando não está bêbada, faz limpeza de pele e combate as estrias, apenas como fase preparatória para os turbilhões da noite. Há uma ansiedade em chegar não se sabe onde, mas talvez ela saiba ou pensa que sabe e por isso é tão frenética, mostrando-se invariavelmente mais agitada do que os lugares que freqüenta.
Acrescente-se ao descomunal aporte físico – ele não descansa - uma carga emocional e um conjunto de drogas e teríamos uma mulher à beira do colapso. Não é o que ocorre. Seus exames médicos não refletem os abusos. Todas as taxas regulares, saúde de ferro, ou “que saúde!”, como diriam nos tempos em que era a mais gostosa da praia. No fundo, só lamenta ter envelhecido por fora, mas compensa a frustração com o segundo tempo do jogo, que entra numa fase mais complexa; ela não é mais a presa, mas a predadora. A grande vantagem é saber o que está se passando. Diz que aprendeu a pisar na jaca com delicadeza. Nem sempre é assim, aliás, quase nunca, mas ela consegue passar a imagem de quem apenas se diverte e diverte os outros.
Um dos segredos é não reclamar de nada, da TPM ao mal-estar da civilização. Outro é ter dinheiro. O mais importante: apesar da extrema agitação e da vontade de viver muito exposta, ela circula à vontade no mundo da ironia. Pratica e entende, produz as mais finas, as melhores destas bandas, quase todas singulares e engraçadas, sempre no ponto, quentinhas e apimentadas, diretas e reflexivas, e na base do improviso, como sua vida. Isso é raro.
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
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