Todos se preocupam com ela, a frágil e delicada, encerrada a maior parte do dia em seu quarto, enquanto o dia corre, enquanto a madrugada não chega. Então ela abre a porta, há silêncio na casa, e quem resiste ao sono não pode espantar-se nem fazer de conta que não a viu. Pode dizer “oi”, mas não pode fazer perguntas. Sua saúde é delicada, sua pele é branca, quase transparente. Nunca riu, nunca chorou em público, mas inquieta-se de uma maneira especial, cobrindo o rosto com as mãos, num movimento suave, sanctus. O pai é cuidadoso e quando vê a filha, como se vê um fantasma, pensa no poema japonês – a borboleta pousada em um sino de bronze. Um contraste enorme. Ao menor sinal de agitação externa, ela desmaia. Nessas horas tão frequentes não gosta de ser reanimada por terceiros. Vai e volta por conta própria. Ninguém arruma suas coisas. A cama está eternamente composta, pois parece não fazer pressão sobre a colcha branca. Talvez não durma ou durma o tempo inteiro – ninguém sabe - ou levite como Santa Teresa de Ávila.
Aos 18 anos, nunca saiu pela porta da rua, não tem amigos e trata a família com uma indiferença não ofensiva. Todos se preocupam com ela, mas estão acostumados com seu jeito. Parece líquida. Parece um vento fraco. Às vezes não toca na bandeja com frutas deixada todos os dias em cima da mesa. O médico tem licença para entrar, tomar seu pulso e temperatura. Uma vez por ano. Nunca viu sinais de menstruação, não está autorizado a entrar no banheiro, solicitar exames ou avaliar seu corpo sem a camisola azul, vestida dos pés à cabeça.
Ela é uma pluma, assim parece, mas guarda segredos. Nos momentos em que a casa dorme, a pequena indolente transforma-se no inverso, vira-se pelo avesso, num espetáculo de selvageria e sexo. Um bando de homens imaginários ou entrados pela janela enrosca-se em seu corpo grácil e sutil e, no auge das estripulias, ela se transmuta na pequena diaba, alucinada e febril, suando litros e emitindo gemidos de animais no cio. A lava escorre do pensamento, ex-votos eróticos se despregam das paredes. No dia seguinte, todos os sinais desaparecem, sangue e contrações do delírio, e por baixo da camisola só ficam as cicatrizes, cada vez mais fundas. As chamas se apagam, a fogueira some e a bruxa volta ao estado de casticismo, flutuando no quarto, em profundo silêncio.
sexta-feira, 2 de março de 2012
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