Mas mudo não fica e diz nem que seja um
opa, um epa, não é assim. Está em todas as festas, apesar dos 50 anos, e festas
de jovens, de filhas de seus amigos, de amigos de seu filho. Não é uma presença incômoda, entre os garotos, exceto nas horas em que ocorrem discussões sobre as
vantagens de uma década sobre outra. O assunto é recorrente porque ele sempre o
provoca, a troco de não se sabe o que. Ninguém sabe.
Antes fosse inveja o que movia o personagem
em sua incursão pelo mundo dos jovens, numa sexta-feira paulistana. Com meio
século de história, freqüentava a galera e se comprazia em ser aceito como
membro honorário. Só não podia passar do terceiro copo. A partir daí iniciava
sua guerra de décadas, uma disputa passado x presente, o ranking do século
passado. O animal em foco, de boa formação e fino trato, não afirma sua
nostalgia diante dos garotos ou diz “meus anos foram melhores porque os vivi
intensamente”. Não. Quer provar, quase cientificamente, a qualidade superior de
sua época de juventude em comparação com os dias atuais. Sem levar em conta
tantos anos passados e os mistérios dos que vivem o presente no auge da saúde e
da coragem.
A década de 70 é sempre invocada como
“década que vocês perderam” porque foi infinitamente melhor, em todos os
sentidos, segundo o personagem de 50 e poucos anos. Brada, batendo no peito –
devagar, mas firme -, a volta ou o eterno retorno das grandes bandas
antológicas, algumas delas de atuação e sucesso ininterruptos, caso dos Rolling
Stones. No ramo da Filosofia, ele dá um recuo e toma os 60 como se também
fossem seus, pois viu uma palestra de Sartre quando tinha cinco anos, em 1963.
Ai, na sala de estar, como ocorre nessas ocasiões, alguém começa a rodar um
baseado e o personagem de 50 e poucos anos se adianta:
- “Vocês precisavam ter fumado o da lata” –
comenta o tiozinho, prendendo a respiração e segurando a fumaça nos pulmões.
Toma, assim, mais uma dezena de anos do campo adversário. Sim, porque ele
também é dono dos 80, mesmo do final, 87, quando milhares de latas contendo
maconha de excelente qualidade deram em costas brasileiras. O episódio mantém
sua mística entre os mais jovens, o pessoal de 90, mas pelo fato de ter entrado
para a história do mundo maconheiro. Mas passou e por ter passado, o argumento
do homem de 50 e poucos anos se dilui na não existência palpável da lembrança.
Nesse momento, ali no canto, o casal que se beija vive o momento, o aqui e agora,
os hormônios estão em pleno funcionamento, dá para sentir. Enquanto o melhor
do homem de 50 e poucos anos habita o precário mundo das recordações.
O presente, o presente com jeito de eterno,
além de tudo usufruído com mais disposição, torna-se implacável. Jovens e
velhos vivem o mesmo presente, mas o presente dos jovens é mais dinâmico e
animado. O passado evocado para fins de comparação só serve para mostrar a
desvantagem do homem de 50 e poucos anos em relação a seus cálidos contendores.
Quase derrotado, o homem parte então para o
ataque ao próprio presente, destacando a mediocridade dos tempos atuais e a
liquefação das relações de hoje, numa citação bem a calhar de Zygmunt Bauman,
porque o cara ainda está vivo, é lido por alguns dos presentes e, portanto,
participa do agora, embora tenha 86 anos.
No último estágio, o coroa joga com a
experiência que os anos lhe acrescentam. Vivi tudo isso, vivi tudo aquilo,
passei por tantos papas, subi nas torres gêmeas de Nova York e assisti a um
jogo do Santos na Vila Belmiro, com Pelé e Coutinho. Surge uma moça e põe o
ponto nos “is”. Não se imaginaria ali uma leitora de Pedro Nava, mas era
verdade. “A experiência é um farol voltado para trás”, disse a menina, em boa
interpretação do memorialista mineiro. “Não me importo com o ar superior de
gente mais velha”, observou a traquina, agora por sua conta. “Simplesmente
porque isso não está na minha escala de preocupações”, acrescentou. Mais um
revés para o homem de 50 e poucos anos.
Ao final, aceitando publicamente a derrota,
mas refutando-a intimamente, o homem de 50 e poucos anos elogia o efusivo
ambiente intelectual da noite e se despede dos amigos mais novos com uma
frasezinha à toa, deixando no ar uma pequena dose de ironia: “para os padrões
de hoje vocês são muito interessantes”.
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