Procuro coisas para fazer em troca de uns
trocados. Tenho várias habilidades, nenhuma reconhecida, todas fora de moda,
como as de relojoeiro e datilógrafo. Também gravo nomes em canetas Parker,
amolo facas, conserto relógios e caixinhas de música. Já fui motorneiro de
bonde e ascensorista. Só atividades em vias de extinção ou já extintas, porque
não lia sobre as profissões do futuro, nas revistas especializadas, senão
estaria em boa situação, exercendo ofícios do século 21. Poderia ser
headhunter, especialista em Multi-Level Marketing, homem da Nanotecnologia ou
consultor de mídias sociais. Não. Preferi o Liceu de Artes e Ofícios e o eletrotécnico
da esquina. Com ele aprendi a pôr em funcionamento tevês quebradas, de todas as
polegadas, mas isso foi no tempo das válvulas e hoje só restam as válvulas dos
fornos microondas – as magnetron – e não sei abrir esses aparelhos.
Espero, então, pelo resultado do meu
anúncio nos classificados do jornal impresso.
Não sei mexer na Internet, já tentei, nem saí do canto. Não consigo usar
celulares e ainda tenho um telefone de disco. Preto. Enquanto os clientes não
chegam, monto e desmonto o mesmo relógio, um Ômega do meu pai. Sempre no mesmo
horário, à tarde. Perfeito, ele aponta três horas e são três horas, funciona bem,
desde ontem, quando foi consertado, mas ontem também estava na hora a certa,
como sempre esteve.
O relógio é de 1900, uma raridade. Foi o
primeiro modelo de pulso da empresa, segundo o catálogo. Policromado, movimento
Lépine, caixa em prata com dupla dobradiça, escudo floral branco, parte
posterior trabalhada em guilloché e
mostrador em esmalte. Abro para ver como é dentro, não resisto e tiro todas as
peças, a mola salta, mas remonto novamente, com esmero, e só preciso perguntar
as horas, acertar os ponteiros e dar corda. O tic-tac, então volta, preciso,
depois de seis horas de trabalho. De minhas profissões inúteis ou fora de
época, a de relojoeiro é a mais prezeirosa. Consertar relógios é um passatempo.
O ômega pronto, são nove da noite, passo
amolar facas, as mesmas de ontem, ou escrever cartas, datilografadas, sem remetentes,
apenas por diversão. Escrevo e guardo. Em seguida, também desfaço a máquina,
uma Remington, cujo dono deixou aqui, há alguns anos, e nunca veio pegar de
volta. Comprou um computador. Mas vejo uma grande vantagem na máquina – o
barulho. Cada letra é um baque, uma pancada no papel, uma letra impressa em
tinta que suja os dedos, um sinal de coisa viva.
Quando tenho tempo entro num elevador
qualquer, no centro da cidade, e fico subindo e descendo. Eventualmente,
pergunto a alguém “qual o andar?” e aperto o botão. Também me divirto com as
conversas, e fico misturando os assuntos, os daquele grupo que saiu com o que
entrou, e assim por diante. Só não gosto quando o elevador fala. Anuncia o
andar, as portas se abrem sem minha ajuda, permaneço em silêncio e descubro
outro tempo, fora do meu. Volto para casa, ao relógio, a corda salta...
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