Quando começou a escrever em jornal seu
tema era o comportamento dos jovens. A partir dos anos 80, passou por diversas
etapas, dos yuppies aos grunges, descreveu os góticos numa matéria que deu
chamada na primeira página, entrou no universo punk paulistano, mas um dia
cansou dessa besteira toda. Agora escreve para dentro, o que se passa nas
tripas e no cérebro, pensamentos alheios à moda, às vezes sexo, como vontade e
representação, e está particularmente interessado na morte. Não está à beira da
morte. Apenas quer investir no precipício humano e, a partir desse ponto
tornar-se escritor dos bons. Não é ainda conhecido do grande público, talvez
nunca seja, embora tenha lançado um livro sobre um moribundo em estado de
prestação de contas sobre um passado de aventuras e culpas. Vendeu 400
exemplares.
Mesmo assim, o jovem escritor sente-se
quase pronto, quase porque resta a dúvida entre ser um dos mais vendidos ou um
dos mais idolatrados por uma minoria letrada. Caso escolha o primeiro caso, teria
inúmeras vantagens, entre elas a possibilidade de vender os direitos para a TV,
ser reconhecido na rua, etc. O inconveniente: silêncio dos suplementos
literários sobre sua obra. No fundo não queria ser fácil nem difícil, nem
maldito nem midiático e não queria as glórias depois de morto ou, pior ainda,
ser ignorado depois de morto.
O que move a alma humana a ilusões dessa
natureza? A primeira é a vontade de fazer, a segunda é a vaidade – sonha com
elogios de seus pares – e a terceira, no caso dele, receber alguma a atenção do
sexo oposto em termos de amor e sexo. Gosta de mulheres e literatura, nesta
ordem, e usa o texto para chegar a corações femininos mais sensíveis. Descobriu
também o efeito de entrar numa festinha e ganhar olhares diferenciados. A liga
das leitoras abriga moças bonitas, desfazendo o preconceito de que só as feias leem.
Outra descoberta.
Para manter a chama acesa entre as
leitoras, é preciso uma produção constante em blogs e, vez por outra, a
transformação de alguma musa em personagem esperta, bem-sucedida e cheia de
referências. Elas gostam, ele sabe, e segue a fórmula. O objetivo prático da
atividade, no entanto, é camuflado por explicações mais nobres sobre o ato de
escrever. Mesmo o que já foi dito pega bem quando oportunamente citado e ele
cria para si uma falsa aura de espírito livre e doído, obviamente azeitado por
fina ironia e uma dose discreta de niilismo. Tem quase 400 leitoras fixas –
talvez as mesmas que compraram seu livro – e insiste na Internet, mesmo sabendo
que o território não é digno dos grandes escritores.
Uma vez ou outra se deixa contaminar
sinceramente pela incredulidade e o desânimo. Nesses momentos sente-se pequeno,
deprimido e alheio. Na última semana esteve preocupado com seu próprio estado
ao ler sobre a relação entre criatividade e loucura. Nenhuma novidade, mas
ficou preocupado. Platão não via diferença entre a irracionalidade dos loucos e
a dos artistas. Em 1891, Cesare Lombroso achava que o ato de criar era uma manifestação
patológica. Agora vêm com isso de novo.
Mas são dores que passam rapidamente,
sempre, ele deixa pra lá. Logo, volta ao seu mundo, cortejando as leitoras,
visitando partes íntimas do universo feminino, no sentido figurado e literal, e
não esconde que precisa de carinho e proteção. O sexo é colateral. Hora de
aproveitar sensações físicas e uma espécie de amor tão passageiro quanto
sincero. Não passa por sua cabeça qualquer imagem aviltante em relação às
mulheres e se martiriza quando deixa algumas delas para trás. Poderia ser mais
atormentado e recluso, mas se algum desespero toca sua alma, quando sente o
desprezo dos críticos por suas páginas, prefere se aninhar no colo de uma
leitora - e chorar um pouquinho.
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