Deixe de colocar minhoca na cabeça da minha
mulher, sua danada. Vem cá, encosta aqui, fica pertinho. É o seguinte: você não
pode insinuar que tem um caso comigo. Tecnicamente somos amantes. Sou amante da
melhor amiga da minha mulher, veja só, parece pornochanchada. Você aqui,
deitada, nua, e eu pensando na minha mulher e em sua amizade com ela. Você não
diz nada? O problema é que você olha pra ela de um jeito muito sacana. Olha,
sim. Como quem diz “to comendo seu marido”, e ainda tem aquela viradinha de
cabeça, irônica e segura, quando ela fala da nossa vida de bem casados há dez
anos. Uma eternidade e você aqui, no meio da história, se abastecendo de não
sei o quê. Você é confidente da minha mulher. Que coisa! Ouço as risadinhas.
Culpa nenhuma, né? Não sei como consegue. Vamos fazer o que manda a cautela: tudo fica
da mesma maneira. Segunda e quarta, no mesmo canto, aqui mesmo. Quando for a minha
casa – você vai quase todos os dias – não dê bandeira. Caramba, vocês são
amigas desde o século passado. Ela se refere a você com tanto carinho; nem de
longe imagina esta cena. Dá um beijo, vai. Engraçado... Vocês duas são da mesma
classificação que li no livro de Tolstoi: bonitas, misteriosas e originais. Ela
carrega a desvantagem de não saber, mas atua nesse drama com elegância. Mas, peraí: ela não
cogita essa hipótese ou sabe de tudo? O que você acha? Age com aquele ar distante para
ser uma vítima quase sagrada diante dos outros, mas sabe que a gente não sabe
que ela sabe. Aí é uma vantagem dela. Amo minha mulher, já disso isso. Amo você
também, claro. Sei que você adora este triângulo. Quando falo dela parece o
momento da colheita pra você. A melhor hora. Você faz tudo para chegar a isso:
falarmos dela. Sua compensação é conversar sobre a onipresente. Linda, minha
mulher, não é mesmo? Você quer ter poder
sobre ela porque não quer ficar comigo – ou quer, também -, mas seu alvo
primário é outro. Vocês estão me traindo?
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