sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

O primo Guedes




Eu me confundia com a quantidade de gente e de intersecções familiares presentes no Facebook. Outro dia, marquei como parente certo José Guedes, morador de Maceió, meu primo, assim acreditava. Como não era de acompanhar o dia a dia virtual, lia as coisas superficialmente, pois não entendia direito e tinha medo de clicar alguma coisa e estragar tudo. Quando enfim resolvi entrar no mundo de vocês, notei como o primo Guedes havia mudado. Envelheceu bem, estava um gato, dava pra ver pelas fotos, e seus gostos opiniões políticas eram bem diferentes de trinta anos atrás, a última vez em que nos vimos.

O marombado primo Guedes, ardoroso direitista, era agora um homem de esquerda, mas talvez de uma esquerda não tanto conhecida, porque citava um monte de nomes estranhos, situações que não lia nos jornais e outros sinais de transformação radical. Por exemplo: primo Guedes informava ser ator e achei estranha a troca da Gastroenterologia  pelo cinema, assim como a troca de mulher e de cidade; estava agora morando em Coimbra, Portugal, num relacionamento sério com Maria Dolores e não mais com Elizabeth Coutinho.

Mas ele sempre me tratava de prima e assim fomos, trocando impressões, desejando feliz aniversário um ao outro, além de recíprocas cutucadas e curtidas. Havia mais, muito mais. Com o tempo, a família era o que menos importava em minha comunicação virtual com o primo Guedes. Estávamos no perigoso limite das vias de fato – ele, lá; eu, cá -, entre frases excitantes e troca de fotos sensuais. Achei meio incestuoso, mas fui em frente. Tão em frente que marquei uma viagem à Europa, a primeira, só para testar certas compatibilidades com o parente distante e galante. Ele se alegrou. “Vai ser bom, teremos uma grande festa aqui”, escreveu, in Box, como se diz.  

Antes de viajar, no entanto, descobri que o Guedes de Coimbra não era o mesmo Guedes de Maceió. O alagoano também estava no Facebook e continuava gastroenterologista e homem de direita, daqueles que defendem a pena de morte e detesta gays. Azar, fui assim mesmo, era até melhor. Não era mais meu primo e ficar com primo é meio estranho. Logo no aeroporto de Lisboa encontrei o Woody Allen, atrás de locações para mais um filme sobre capitais da Europa. O mundo do cinema, o mundo de Guedes, meu ex-primo. Que aventura. Fiquei extasiada.

Depois do desembarque vejo Guedes, o ator e - surpresa desagradável-, estava acompanhado do outro Guedes, meu primo alagoano. Havia ainda Rita Guedes, irmã do português, além de quase duas dezenas de Guedes, todos sorridentes, com cartazes nas mãos, esperando mais Guedes que viriam do Brasil e de vários lugares do mundo. Eu sonhava com o amor e estava num conclave de Guedes, uma grande reunião de família, parentes próximos e distantes, primos de terceiro, quarto e quinto graus, e até um bisneto de Victor Guedes, fundador do azeite Galo. Tudo havia sido programado na página “Os Guedes”, no Facebook, que nunca vi.  Pensei em pular da árvore genealógica e pegar o primeiro voo de volta. Mas a multidão de Guedes me cercou, num tipo de opressão familiar literal, na base da força física, imposta por abraços apertados. A maioria era desconhecida, mas divisei, no meio da confusão, minha tia Edilene, minha avó numa cadeira de rodas e meu tio avô Abelardo, que dava como morto.

Cercada de Guedes por todos os lados, cedi ao pesadelo, relaxei. Mesmo porque, depois da longa confraternização, primo Guedes, o português, encostou-se, retomou a conversa interrompida no Facebook e resolveu mostrar serviço.  Resultado: casei, tivemos dois pequenos Guedes e estou aqui até hoje. O resto da família foi embora, tio Abelardo morreu de verdade e Woody Allen desistiu de seu filme lisboeta.  

Um comentário:

John August Who disse...

li, nao entendi muito bem '-', amanha vou ler novamente, pois hoje estou meio ocupado. é um texto peculiar eu diria.

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