Eu me confundia com a quantidade de gente e
de intersecções familiares presentes no Facebook. Outro dia, marquei como
parente certo José Guedes, morador de Maceió, meu primo, assim acreditava. Como
não era de acompanhar o dia a dia virtual, lia as coisas superficialmente, pois
não entendia direito e tinha medo de clicar alguma coisa e estragar tudo.
Quando enfim resolvi entrar no mundo de vocês, notei como o primo Guedes havia
mudado. Envelheceu bem, estava um gato, dava pra ver pelas fotos, e seus gostos
opiniões políticas eram bem diferentes de trinta anos atrás, a última vez em que
nos vimos.
O marombado primo Guedes, ardoroso
direitista, era agora um homem de esquerda, mas talvez de uma esquerda não
tanto conhecida, porque citava um monte de nomes estranhos, situações que não
lia nos jornais e outros sinais de transformação radical. Por exemplo: primo
Guedes informava ser ator e achei estranha a troca da Gastroenterologia
pelo cinema, assim como a troca de mulher e de cidade; estava agora morando em
Coimbra, Portugal, num relacionamento sério com Maria Dolores e não mais com
Elizabeth Coutinho.
Mas ele sempre me tratava de prima e assim fomos,
trocando impressões, desejando feliz aniversário um ao outro, além de
recíprocas cutucadas e curtidas. Havia mais, muito mais. Com o tempo, a família
era o que menos importava em minha comunicação virtual com o primo Guedes.
Estávamos no perigoso limite das vias de fato – ele, lá; eu, cá -, entre frases
excitantes e troca de fotos sensuais. Achei meio incestuoso, mas fui em frente.
Tão em frente que marquei uma viagem à Europa, a primeira, só para testar
certas compatibilidades com o parente distante e galante. Ele se alegrou. “Vai
ser bom, teremos uma grande festa aqui”, escreveu, in Box, como se diz.
Antes de viajar, no entanto, descobri que o
Guedes de Coimbra não era o mesmo Guedes de Maceió. O alagoano também estava no
Facebook e continuava gastroenterologista e homem de direita, daqueles que
defendem a pena de morte e detesta gays. Azar, fui assim mesmo, era até melhor.
Não era mais meu primo e ficar com primo é meio estranho. Logo no aeroporto de
Lisboa encontrei o Woody Allen, atrás de locações para mais um filme sobre
capitais da Europa. O mundo do cinema, o mundo de Guedes, meu ex-primo. Que
aventura. Fiquei extasiada.
Depois do desembarque vejo Guedes, o ator e
- surpresa desagradável-, estava acompanhado do outro Guedes, meu primo
alagoano. Havia ainda Rita Guedes, irmã do português, além de quase duas
dezenas de Guedes, todos sorridentes, com cartazes nas mãos, esperando mais
Guedes que viriam do Brasil e de vários lugares do mundo. Eu sonhava com o amor
e estava num conclave de Guedes, uma grande reunião de família, parentes
próximos e distantes, primos de terceiro, quarto e quinto graus, e até um bisneto
de Victor Guedes, fundador do azeite Galo. Tudo havia sido programado na página
“Os Guedes”, no Facebook, que nunca vi. Pensei
em pular da árvore genealógica e pegar o primeiro voo de volta. Mas a multidão
de Guedes me cercou, num tipo de opressão familiar literal, na base da força
física, imposta por abraços apertados. A maioria era desconhecida, mas divisei,
no meio da confusão, minha tia Edilene, minha avó numa cadeira de rodas e meu
tio avô Abelardo, que dava como morto.
Cercada de Guedes por todos os lados, cedi
ao pesadelo, relaxei. Mesmo porque, depois da longa confraternização, primo
Guedes, o português, encostou-se, retomou a conversa interrompida no Facebook e
resolveu mostrar serviço. Resultado:
casei, tivemos dois pequenos Guedes e estou aqui até hoje. O resto da família
foi embora, tio Abelardo morreu de verdade e Woody Allen desistiu de seu filme
lisboeta.
Um comentário:
li, nao entendi muito bem '-', amanha vou ler novamente, pois hoje estou meio ocupado. é um texto peculiar eu diria.
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