segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

São Paulo sem ninguém





Na semana passada, num desses canais de ciência, vi como seria a cidade de São Paulo caso seus moradores, nativos e imigrantes, simplesmente deixassem de existir. Em poucos meses, a Avenida Paulista seria tomada pela Mata Atlântica e animais domésticos e ferozes - fugidos do Zoológico - dominariam o ambiente. Não haveria energia elétrica, os incêndios consumiriam as favelas e logo em seguida os prédios de luxo.  Carros parados transformados em abrigo de insetos, água dos reservatórios transbordando em outras partes. O mundo sem humanos, uma enorme trepadeira escondendo o edifício Copan, projetado por Oscar Niemeyer, embora esse detalhe não venha ao caso, pois nada passará à posteridade, nem mesmo a arquitetura. A cidade, enfim, está arborizada.

O cenário serve a outro propósito: sobraram duas pessoas, um homem e uma mulher, numa versão Adão e Eva sem religião no meio. Sobreviveram e não se conhecem. Adélia está na Zona Leste, escondendo-se de um casal de hipopótamos. Paulo está num café dos Jardins, protegendo-se das ratazanas com uma submetralhadora encontrada numa viatura da PM.  Não há a quem recorrer. Não se pode culpar o governo nem as operadoras telefônicas pelos celulares mudos. A tecnologia é só uma lembrança. Naquele mesmo café, meses atrás, ele tinha pedido um espresso, feito com grãos da variedade Bourbon Amarelo, R$ 7,00 a xícara. Paulo, portanto, é um homem fino e rico. Adélia, enquanto isso, sonha com uma vitamina na padaria. Ambos comerão frutas e caçarão animais assim que a comida dos supermercados perder seu prazo de validade. Por sorte, há fósforos, velas e pilhas para as lanternas. Mas chegará o dia em que só restará o fogo, a única arma contra os novos inimigos.

Um encontro de Adélia e Paulo já seria improvável numa cidade de 18 milhões de habitantes. Quanto mais agora, sem táxis, metrô, ônibus e Facebook. Sem ninguém, exceto eles. Além disso, vivem em mundos diferentes. Classes sociais diferentes. Ele ia a teatros; ela freqüentava o Centro Educacional Unificado de Itaquera e fazia curso de informática. A piscina do CEU está cheia de peixes e anfíbios, dois jacarés-de-papo-amarelo e umas sete capivaras nadam na obra da ex-prefeita Marta Suplicy. Centenas de cobras já rastejaram do Instituto Butatã até o centro comercial do bairro. Bichinhos escamosos e nojentos se juntam à nova fauna suburbana. Paulo abandonou seu apartamento de cobertura por causa da invasão de grilos, ratos e baratas. Adélia fez o mesmo com medo do hipopótamo.

Não há muito tempo.  A sobrevivência da espécie humana depende desse encontro, Paulo e Adélia, habitantes de áreas conflagradas e distantes. A metrópole é uma selva, não mais no sentido figurado. Está lotada de bichos venenosos e uma vegetação mais espessa viceja no asfalto selvagem. Para a glória póstuma dos preservacionistas, animais dados como extintos se multiplicam como bactérias. Aves esquisitas ocupam o céu dos aviões.

A idéia inicial era promover o encontro Paulo-Adelia. Um caso de amor para o recomeço da civilização. Mas falta logística, comunicação, vias de acesso. Sem contar que Paulo é estéril e Adélia prefere as meninas.   

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