Na semana passada, num desses canais de
ciência, vi como seria a cidade de São Paulo caso seus moradores, nativos e
imigrantes, simplesmente deixassem de existir. Em poucos meses, a Avenida
Paulista seria tomada pela Mata Atlântica e animais domésticos e ferozes - fugidos
do Zoológico - dominariam o ambiente. Não haveria energia elétrica, os
incêndios consumiriam as favelas e logo em seguida os prédios de luxo. Carros parados transformados em abrigo de
insetos, água dos reservatórios transbordando em outras partes. O mundo sem humanos,
uma enorme trepadeira escondendo o edifício Copan, projetado por Oscar
Niemeyer, embora esse detalhe não venha ao caso, pois nada passará à
posteridade, nem mesmo a arquitetura. A cidade, enfim, está arborizada.
O cenário serve a outro propósito: sobraram
duas pessoas, um homem e uma mulher, numa versão Adão e Eva sem religião no
meio. Sobreviveram e não se conhecem. Adélia está na Zona Leste, escondendo-se
de um casal de hipopótamos. Paulo está num café dos Jardins, protegendo-se das
ratazanas com uma submetralhadora encontrada numa viatura da PM. Não há a quem recorrer. Não se pode culpar o
governo nem as operadoras telefônicas pelos celulares mudos. A tecnologia é só
uma lembrança. Naquele mesmo café, meses atrás, ele tinha pedido um espresso,
feito com grãos da variedade Bourbon Amarelo, R$ 7,00 a xícara. Paulo,
portanto, é um homem fino e rico. Adélia, enquanto isso, sonha com uma vitamina
na padaria. Ambos comerão frutas e caçarão animais assim que a comida dos
supermercados perder seu prazo de validade. Por sorte, há fósforos, velas e
pilhas para as lanternas. Mas chegará o dia em que só restará o fogo, a única
arma contra os novos inimigos.
Um encontro de Adélia e Paulo já seria
improvável numa cidade de 18 milhões de habitantes. Quanto mais agora, sem
táxis, metrô, ônibus e Facebook. Sem ninguém, exceto eles. Além disso, vivem em
mundos diferentes. Classes sociais diferentes. Ele ia a teatros; ela
freqüentava o Centro Educacional Unificado de Itaquera e fazia curso de
informática. A piscina do CEU está cheia de peixes e anfíbios, dois jacarés-de-papo-amarelo
e umas sete capivaras nadam na obra da ex-prefeita Marta Suplicy. Centenas de
cobras já rastejaram do Instituto Butatã até o centro comercial do bairro.
Bichinhos escamosos e nojentos se juntam à nova fauna suburbana. Paulo
abandonou seu apartamento de cobertura por causa da invasão de grilos, ratos e
baratas. Adélia fez o mesmo com medo do hipopótamo.
Não há muito tempo. A sobrevivência da espécie humana depende
desse encontro, Paulo e Adélia, habitantes de áreas conflagradas e distantes. A
metrópole é uma selva, não mais no sentido figurado. Está lotada de bichos
venenosos e uma vegetação mais espessa viceja no asfalto selvagem. Para a
glória póstuma dos preservacionistas, animais dados como extintos se
multiplicam como bactérias. Aves esquisitas ocupam o céu dos aviões.
A idéia inicial era promover o encontro
Paulo-Adelia. Um caso de amor para o recomeço da civilização. Mas falta logística,
comunicação, vias de acesso. Sem contar que Paulo é estéril e Adélia prefere as
meninas.
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