quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Argumento




A idéia é manjada. Duas pessoas se correspondem e não se conhecem pessoalmente, como no filme “Nunca te vi, sempre de amei”, de David Hugh Jones. Apenas trocaram os Correios e Telégrafos pelas redes sociais e as cartas por posts e mensagens. Ele sabia escrever bem, mas faltava-lhe imaginação para um arrazoado de amor, drama ou comédia, e não estava disposto a declarar-se apaixonado, por timidez e despropósito. Era um caso de empatia, vai e vem de comentários certeiros e admiração mútua.

Ela tinha um primor de estilo, frases entre a prosa e o poema livre, cheias de coisas para pensar. Sem contar a beleza diáfana de suas fotos no perfil. Eram recentes, mas havia um ar de anos vinte, talvez inserido por algum aplicativo. Talvez, não. Outra dúvida: poderia ser apenas um personagem criado para alegrar as madrugadas de homem sozinho. Virtualmente, daria na mesma, e, caso não desse, não teria passado de uma situação digital, sem envolvimento de peles. Sem química; só Física.   

Todas as fotos eram em branco e preto, exceto quando surgiam a garrafa de Green Label e o Marlboro. Verde e vermelho sobre fundo cinza enevoado. Brincadeirinhas no Photoshop. Mas sempre ela, com roupas de hoje e olhar contemporâneo. A paisagem em volta também. A casa com TV moderna, as ruas com prédios imensos e de vez quando uma praia deserta. Uma cansativa sequência de espaços vazios à beira mar e nesses casos ela estava distante da lente, chutando a água, pensamento distante. Jovem no período de incertezas absolutas, olhando para um fundo de poço em Hanói, rindo, usando um daqueles chapéus dos vietnamitas. Fotografias com legenda. Uma delas: moça passando a ferro o vestido de noiva e chorando sobre o tecido. Lágrimas Passe-bem.

Postava comentários interessantes sobre política nacional, o nascimento do universo e de como sentia culpada ao esmagar formigas. Também, e muito, falava de si própria. Ele sabia detalhes de sua vida e vice-versa. Álbuns de infância e família foram trocados numa ocasião, in Box, claro. Conversavam por horas e horas: sobre arrumação da casa, sempre uma canseira; as obras de Dostoievski direto do russo, a previsão do tempo em suas cidades e de vez em quando ficavam numa situação-limite, separados por milhares de quilômetros, um e outro com vontade de tocar em algo mais íntimo, mas a conversa nunca evolui desse ponto. Nunca se arriscaram no Skype, o olho no olho. Medo de desilusão, vergonha ou algo mais misterioso. Ninguém saberá por que – nem eles.



Então fica assim: faltam os diálogos, uma revisão caprichada e depois o diretor diz o que acha.  O cara não gosta de finais felizes nem infelizes. Gosta de impasses. É um curta. Pode colar. 

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