A idéia é manjada. Duas pessoas se
correspondem e não se conhecem pessoalmente, como no filme “Nunca te vi, sempre
de amei”, de David Hugh Jones. Apenas trocaram os Correios e Telégrafos pelas
redes sociais e as cartas por posts e mensagens. Ele sabia escrever bem, mas
faltava-lhe imaginação para um arrazoado de amor, drama ou comédia, e não
estava disposto a declarar-se apaixonado, por timidez e despropósito. Era um
caso de empatia, vai e vem de comentários certeiros e admiração mútua.
Ela tinha um primor de estilo, frases entre
a prosa e o poema livre, cheias de coisas para pensar. Sem contar a beleza
diáfana de suas fotos no perfil. Eram recentes, mas havia um ar de anos vinte, talvez
inserido por algum aplicativo. Talvez, não. Outra dúvida: poderia ser apenas um
personagem criado para alegrar as madrugadas de homem sozinho. Virtualmente,
daria na mesma, e, caso não desse, não teria passado de uma situação digital,
sem envolvimento de peles. Sem química; só Física.
Todas as fotos eram em branco e preto,
exceto quando surgiam a garrafa de Green Label e o Marlboro. Verde e vermelho
sobre fundo cinza enevoado. Brincadeirinhas no Photoshop. Mas sempre ela, com
roupas de hoje e olhar contemporâneo. A paisagem em volta também. A casa com TV
moderna, as ruas com prédios imensos e de vez quando uma praia deserta. Uma
cansativa sequência de espaços vazios à beira mar e nesses casos ela estava
distante da lente, chutando a água, pensamento distante. Jovem no período de incertezas
absolutas, olhando para um fundo de poço em Hanói, rindo, usando um daqueles
chapéus dos vietnamitas. Fotografias com legenda. Uma delas: moça passando a
ferro o vestido de noiva e chorando sobre o tecido. Lágrimas Passe-bem.
Postava comentários interessantes sobre política
nacional, o nascimento do universo e de como sentia culpada ao esmagar
formigas. Também, e muito, falava de si própria. Ele sabia detalhes de sua vida
e vice-versa. Álbuns de infância e família foram trocados numa ocasião, in Box,
claro. Conversavam por horas e horas: sobre arrumação da casa, sempre uma
canseira; as obras de Dostoievski direto do russo, a previsão do tempo em suas
cidades e de vez em quando ficavam numa situação-limite, separados por milhares
de quilômetros, um e outro com vontade de tocar em algo mais íntimo, mas a
conversa nunca evolui desse ponto. Nunca se arriscaram no Skype, o olho no olho.
Medo de desilusão, vergonha ou algo mais misterioso. Ninguém saberá por que –
nem eles.
Então fica assim: faltam os diálogos, uma
revisão caprichada e depois o diretor diz o que acha. O cara não gosta de finais felizes nem
infelizes. Gosta de impasses. É um curta. Pode colar.
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