quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Frases sem efeito





Só restou emprego numa agencia de publicidade, mas ele não sabia mentir. Não que publicitários mintam, pois muitos acreditam piamente em seus slogans e alguns até no produto. No caso especial do sessentão destas linhas, um pouco adoentado, a oportunidade era uma benevolência. Estava desempregado. Bom de frases, poderia contribuir para o sucesso de algumas contas. Era a impressão geral. Não funcionou.

As frases e textos que construía eram sobre vida e morte, nem sempre otimistas. Em tese não se aplicavam com muita propriedade a tubos e conexões, cursos de línguas e material de limpeza. Tentar, tentou, no entanto não vieram palavras capazes de agarrarem-se ao produto e ao mesmo tempo possuírem um toque de reflexão filosófica. Para ele, fazer isso seria mentira. Então, produzia slogans frouxos quando se referia a margarinas ou pensamentos definitivos e densos, mas sem utilidade para biscoitos e desodorantes.

Dois mundos em sua cabeça e a necessidade de sobrevivência. Usava então o expediente de escrever frases pontuais e quase óbvias, que eram aceitas pelo cliente, embora deixassem seus colegas decepcionados. Esperavam que fosse um George Jean Nathan da propaganda; era apenas funcional, como todos. De sua parte, ele se esforçava em ir mais longe, apenas para consumo interno. Só entregaria algo realmente bom – e verdadeiro -, caso estivesse com o slogan perfeito, o slogan que elevasse a publicidade ao patamar da Filosofia Pura e da Física Quântica. Mas bastava pensar na frase de Natan - "bebo para tornar os outros interessantes" –, aplicada a uma marca de cerveja, para se precaver da possibilidade do ridículo.

Descobriu ao final que a publicidade tem seu moto próprio e talvez surgisse alguém para unir literatura da melhor qualidade e pegada vendedora num comercial de micro-ondas. Não era ele.  



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