terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Em busca de paraísos perdidos




A decisão foi tomada numa noite escura, no meio do mato, entre o balido dos grilos e estrelas cadentes. Nosso destino era aquele pequeno paraíso isolado, a galera inteira voltaria para lá, de vez, e assumiríamos em local apropriado nosso estilo meio hippie, herdado dos pais. Não combinávamos com a cidade, especialmente a cidade de São Paulo, cuja pujança empreendedora nada tinha a ver com nossas roupas descuidadas, nossos discos de reggae e o costume de acordar depois do meio dia. Não tínhamos foco nem ternos.

Meu pessoal é eclético, mas unido por subjetividades e jeito de corpo. Temos de tudo entre nós – de ateus a crentes no poder dos cristais. Quase todos, no entanto, estão vagamente no mundo das artes, mas sempre uma coisa paralela, voltada para as raízes. Fazemos bazares para vender camisetas com motivos nordestinos – destaque para os caboclos de lança do maracatu rural - e as meninas produzem origamis, pão de centeio e agendas artesanais com papel reciclado. Usamos ervas para fins medicinais e recreativos.

Se trabalharmos em casa, a casa pode ser em qualquer lugar, pois usamos computadores, embora nossos celulares sejam bem simples. Servem apenas para telefonar, quando tem crédito. Daí nosso olhar de desprezo ao ver alguém sacar um I-Phone. Computador é para ficar em casa. A rua tem suas histórias e contextos, não precisa recorrer ao mundo virtual. Mas até a rua não estava agradando nos últimos tempos.

Então, fomos. A casinha, linda, não tinha sinal de vida por perto. Nem sinal da Internet. Obviamente, nossos celulares também estavam surdos-mudos e, logo no primeiro dia, faltou água, faltou energia e faltou organizar a dormida de forma decente, não com gente empilhada daquele jeito. O que poderia ser uma heresia para qualquer moça, uma das nossas esqueceu-se de comprar xampu. Era a mais propensa a pensar em xampu, mas não pensou. Ninguém tinha xampu.

Ir às compras. A cidade mais perto fica 60 quilômetros. Não é uma cidade, é um distrito. De repente todos estavam na Lan House. Foi difícil fazê-los soltar aquilo e nem sei por que estou reclamando. Eu também fiquei na caça de informações, badaladas da noite na cidade, mensagens, outras ideias, já cansado daquela aventura. Seguimos assim, pensando, para casa, já noite, no último carro de boi daquele dia. Depois ainda andaríamos mais um pouco para chegar à casinha.

Uma semana foi o suficiente. Alguém deveria falar, eu falei. Não dá mais. Todos ficaram cabisbaixos, pois achavam a mesma coisa, e estavam à procura de uma justificativa mais elaborada para desistir da operação campestre, ou campesina, como preferiam os comunistas do grupo. Era preciso dizer alguma coisa. Afinal, a opção para uma vida inteira estava terminando como um feriadão desconfortável. Voltar em silêncio não daria. Um dos caras tentou emplacar a versão de que tivéramos uma semana memorável e inesquecível, justamente por causa do fracasso. Caso contrário, morreríamos ali, perdidos no matagal, como animais extintos, só vestígios de uma civilização que não vicejou. Rumo à rodoviária.

Ficou como oficial, com razoável adesão sincera, a tese “nós mudamos”. Voltaríamos para a cidade mais amadurecidos e cada vez mais unidos, sem abandonar nossos ideais, maneira de ser etc. Assim voltamos - apreensivos, mas tomados pelo sentimento de uma nova jornada, como se fôssemos tentar de novo.

Da janela do ônibus, vi a cidade apontar no horizonte, enorme e iluminada. 

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