Sempre chegava com um poeminha recém-feito,
e o último, “A vida é ávida”, pretendia, segundo ele, encontrar o ponto G da
alma humana. Mas não passava de um jogo de palavras, como “O bardo retumbante”,
outro da mesma linha, sobre a ascensão de Shakespeare ao reino dos céus. Vivia
de bar em bar, vendendo livrinhos caseiros, levando fora de casais e bêbados,
especialmente quando perguntava, em momento impróprio, se podia “tomar um pouco
da sua atenção”. Era humilde, embora se
achasse um autor monumental, quase um poeta inglês.
A vida prática foi sacrificada em nome da
poesia, empreendimento sem muito futuro em termos monetários. Em nome de Yeats
e outros de sua predileção, habitou-se à precária casinha herdada da mãe, seu
único bem. Fazia o próprio almoço com ingredientes baratos – macarrão e
salsichas, por exemplo -, embora tivesse conhecimento sobre diversos tipos de
culinária, suas origens e segredos. Dava-se por preparado para ser rico. Tinha
a estrutura intelectual e bom gosto para gastar da melhor maneira. O dinheiro,
no entanto, nunca chegava.
Rodou uns anos até ser aceito no círculo
literário da boemia local e deixou de vender poemas de mesa em mesa. Tinha boa
conversa e bebia sem alarde, um conhaque atrás do outro, sem parecer bêbado. Sua
presença, antes uma concessão, passou a ser respeitada, menos pela poesia, mais
pelo jeitão de ser. Era o sujeito que sabia quase tudo, muito antes da
existência do Google. Quando dava um branco na mesa ou havia controvérsias, ele
esclarecia a dúvida, acrescentando detalhes, sem parecer pedante. Também era discreto. Ao ver os amigos
partindo para outro lugar, mais caro, criava alguma desculpa para ficar. Por
isso, não bebia chope. Três goles e lá se vão seis reais. Comprava seu conhaque
de terceira no boteco ao lado, colocava-o no copo de plástico, e na mesa fazia
a transferência do líquido para a taça tipo baloon, com base curta. “Conhaque é
a minha bebida”, mentia.
Só não era modesto em relação a seus
poemas. Achava-se injustiçado por falta de reconhecimento mais amplo e quando a
pequena turma resolveu bancar seu primeiro livro de editora, numa pequena
edição, ele não agradeceu, achou que era obrigação, um serviço às letras
nacionais, uma forma de remuneração indireta. No fundo era mais inveja e revolta.
Por que eles têm dinheiro e eu não tenho? Alguns estavam no serviço público,
bom lugar para literatos; sem o serviço público não teríamos Machado de Assis e
talvez nem Graciliano. Só que ele continuava ao léu, sem emprego e sem
dinheiro, catando trocados para o Dreher. Não é mesmo grande coisa. Outros da
mesa conseguiram muito mais, na TV, escrevendo roteiros vulgares ou mantendo
seus empregos na imprensa.
Houve lançamento, no próprio bar, e ele
estava dono de si como nunca, vestindo uma roupa cara, comprada à prestação. De razoável para boa, a noite de autógrafos
rendeu-lhe alguma satisfação no início, bebeu até uns chopes, mas de volta para
casa pensou se o sacrifício era necessário. Viver daquela maneira, meio jogado.
Ninguém vive de prosa, quanto mais de poesia. Assomou-lhe uma tristeza imensa,
dessas em que o mundo acaba e vira dor física no meio do peito. Ele começou a
chorar. Até a porta de casa, com isso na cabeça, surgiu a ideia de mudar de
vida, fazer um concurso público, esquecer os versos. Tudo aquilo, porém, remetia para um longo
poema, sofrido e definitivo, e ele correu para o quarto, sentou-se diante da
velha mesinha e começou a escrever seu segundo livro.
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