Outro dia eu estava num ponto de ônibus
quando passou um Jaguar conversível dirigido pela mulher mais linda do planeta.
O carro parou e então o cenário da manhã ganhou viço, ficou mais colorido, ruas
e calçadas brilhavam de tão limpas. No horizonte, surgiu um arco-íris.
Uma imagem dessa magnitude para quem está
num ponto de ônibus, sem dinheiro para o táxi, mereceu o dobro da minha
atenção, sem contar o entusiasmo e a taquicardia. Era um momento único da
existência e parecia real, exceto pela trilha sonora ecoando pelo bairro e
inteiramente coerente com a cena. Como se não bastasse, ela saiu do carro, com
vestido verde de atriz francesa em filme de verão, Le Rayon Vert, por exemplo,
e me pegou pelo braço. “Você vem?”, perguntou.
Tomei a esplêndida providência de reabrir a
porta do veículo e deixá-la entrar primeiro. A mulher me passou a chave e logo
estaríamos numa estrada estreita, quase no topo da montanha, de onde se
avistava o mar, também verde, cintilante. Pensei, por acaso, sobre o absurdo da
situação – a moça parecida com a Mélanie Laurent ao meu lado, alisando minhas
pernas, e mais o dia cheio de luz e um mar numa cidade sem mar. Pensei: só
faltam a Jane Birkin e o Serge Gainsbourg. Melhor não, repensei: são muito
chatos esses programas de casais.
Rodando a toda velocidade naquela costa do
sol, ela me passou o cigarro, com marca de batom, deixando um risinho
enigmático no ar matinal. Mostrava uma alegria juvenil de estar comigo, como se
aquele instante fosse o objetivo final de sua vida. Deitou a cabeça no meu
ombro, atacou com sucessivos beijinhos, cantou com alegria, balançando-se no
assento. Um pout pourri. “Chansons francaises dans les années 1960”, informou,
com a voz aveludada e sexy.
Todos dirão, eu sei: foi um sonho. Não foi.
Assim seria fácil demais e o recurso, aqui para nós, é da pior qualidade.
Outros apostarão em drogas. Um ácido, talvez. Dizem que sob o efeito do LSD o
cientista Francis Crick imaginou a dupla hélice do DNA pela primeira vez, no
século passado, e ganhou o prêmio Nobel. No meu caso, teria sido o efeito mais
retroativo da história. Vi o último ácido em 1979.
O que seria? Não importa, por enquanto,
enquanto durar, pois a aventura continuou e continua. Camponesas coradas nos
sorriam na estrada, a brisa era leve, a vegetação era perfeita, entre o Éden e
o Photoshop. No ar, um pequeno avião, encomendado por ela, carregava uma faixa:
“Je t’aime”. A jovem francesa tirou a blusa, ergueu os braços e gritou:
“Uhuuu!”.
Publicado no mavadezas
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