Perdendo o sono por causa de ódio,
embolando aquilo no juízo, quase esmurrando as paredes só de imaginá-la nos
braços dele, os de sempre - os braços do melhor amigo. Mais grave: braços,
pernas e outros membros envolvidos, entrelaçados em minha própria cama. Estavam
lá, juntinhos, aos beijos, eu vi. A pior tarde da minha vida nessa convivência
angustiada de três anos com Maria Amélia e seu inseparável Aloísio. O tempo
todo fingi achar natural, deixava pra lá certos amassos, coisa de amigos, mas
da boca pra dentro eu me dizia para não confiar naquele safado.
Eram de fato velhos amigos e esse era o
problema. Sempre ele tinha umas coisas mais antigas para contrapor às minhas
recordações sobre ela. Quando eu falava da semana passada, o desgraçado vinha
com os tempos da escola. Sempre um passo na minha frente; neste caso sempre um
passo atrás, mas dava na mesma, pois ele demonstrava uma intimidade só
conferida pelo tempo. Às vezes brincava comigo: “antiguidade é posto, meu
filho”, pronunciava de forma maneirosa, tentando deixar implícito que era
brincadeira, todo gracinha, querendo talvez conquistar a simpatia do namorado
da melhor amiga, mas tratando nosso namoro como coisa muito secundária na
comparação com a amizade deles.
Maria Amélia também apresentava uns
comportamentos incômodos, especialmente quando ela se dirigia a nós dois, eu e
Aloísio, com se fossemos uma espécie de comitiva dela, um lote único. Nas
nossas conversas, ela usava demais a expressão “então, guys?”, quando queria uma decisão, de
preferência por unanimidade. Ela gostava da nossa companhia, pelo jeito, e
íamos a quase todos os lugares juntos. No cinema, ela se sentava entre nós
dois. Conversava mais com ele do que comigo. A mim, só restava um “psiu”,
pedindo silêncio, “presta atenção no filme”.
Nesse triângulo, eu ficava torcendo pro o
cara ser gay, muitas vezes é, mas este não era o lance de Aloísio porque ele
estava sempre ali, à espreita, preparando o bote, e dando botes de verdade na
minha ausência. A cena foi desagradável, aliás, terrível. Não era um beijo de
amigos e eu esperei o negócio evoluir e foi mesmo adiante, pois enquanto eu estava
tomado pela perplexidade, quase cego para a imagem, os dois já não tinham roupas
por perto.
O que fiz? Nada. Normalmente não se faz
nada nessas horas e assim é o mais certo, embora a tristeza de voltar para casa
remoendo aquela situação seja parecida com vontade de vomitar que nunca se
transforma em vômito, um negócio sem alívio. Ai o sistema nervoso começa a
trabalhar contra você, aumentando o tamanho do problema, salpicando aqui e ali
uns padrões morais, dando sinais de meu fracasso. Uma dor desgraçada e é por
isso que não dormi naquele dia. Eles não sabiam que vi, ou sabiam, sei lá.
O dia chegou. Decidi ter uma conversa com os
dois. Depois decidi sumir. Mais adiante decidi fazer de conta que nada havia
acontecido. Daí não decidi nada. Fiquei apenas pensando porque estava
destroçado, num mundo de relações amorosas tão voláteis. Por que agitar-se por
uma traição se todos, ou quase todos e todas, traem? Sexo não seria apenas mais
uma demonstração de carinho entre amigos? Acho que ela gosta de nós dois. É um direito
dela, pensando bem. Pensando mal: são dois escrotos.
Aloísio, no entanto, nunca deu menor bola
para esta disputa, caso haja ou houvesse mesmo uma disputa, já não sabia, e
diante de dúvidas e sofrimentos, liguei para Maria Amélia e disse que iria
viajar por uns dias, mentira, permaneci em casa, sozinho, bebendo milhares de
cerveja e chorando de vez em quando. Até que a saudade de Maria Amélia bateu
muito forte - se fosse doença era caso de correr pra emergência -, e então
resolvi informar que estava de volta de minha viagem que não ocorreu.
Não toquei no assunto, engoli a traição e Aloísio
não aparecia mais. Pensei que ausência dele fosse sentimento de culpa de Maria
Amélia. Até que ela contou, meio chorosa, que o amigo tinha viajado de verdade
e só voltaria dentro de dois anos. Foi um alívio.
Passamos a levar nossa vida sem ele, o
tempo correu, caímos na rotina de casal, já brigávamos um pouco sobre besteiras
e comecei a sentir que faltava alguma coisa.
Faltava Aloísio, o terceiro elemento, o pomo da discórdia, o pivô do
conflito, o responsável por manter minha vida com Maria Amélia em permanente
ebulição, como devem ser os amores. Enfim, sem Aloísio, a história acabou.
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