Eu
não precisava de conselho, só de ajuda, mas ela tem essa mania de
lição de moral, não vive sem dizer é assim ou assado, como a vida
deve seguir, “pois sua casa está imunda, não sei como você
consegue morar ali”, e mais outras tantas orientações sobre
luzes deixadas acesas, minha vida, descuido com a roupa, gastos
desnecessários etc, porque dinheiro para emprestar ela não tinha ou
dizia não ter. Só faltou jogar na minha cara que estava me
ensinando a pescar, e eu precisando do peixe, imediatamente, aliás,
do dinheiro, uma vez que estava numa merda sem tamanho, naquele
momento sem saída, cheio de credores atravessando a rua, justamente
por isso eu queria uma providência, não um manual de autoajuda.
Parece
aquela lenga-lenga dos três mil rublos dos Irmãos Karamazov, cujo
autor tem sido citado em demasia neste espaço, e minha situação
parece às vezes com as de Ivan e Mitia, oscilando entre um e outro.
Quem já leu, sabe como é; quem não leu trate de ler. Mas só
queria dizer a ela que não tenho onde cair morto, ando com uma mão
atrás outra na frente, perdi o emprego e a TV a cabo. Não morro de
fome graças às bocas livres desta cidade. Só sou convidado porque
minto, invento projetos mirabolantes e conto que vou a Paris na
próxima semana. Minhas idas a Paris, cara Lucrécia, ocorrem da
seguinte maneira: fico em casa, trancado, comendo macarrão, macarrão
solo, só água e massa, e lendo e relendo. Não atendo telefone.
Depois, dou de blasé. “E aí, como foi Paris?”, perguntam.
“Legal”, eu respondo, acrescentando as tradicionais queixas
contra os franceses.
Então,
recorro a ela para tomar um pequeno empréstimo, dinheiro não lhe
falta, e ouço um discurso enorme, cheio de restrições ao meu jeito
de ser e à minha falta de planejamento estratégico. Não fala
baixo, grita em negrito:
“você precisa tomar jeito”. Querida, não sou uma empresa,
apenas vivo como posso e como não posso, de acordo com as
circunstâncias e em desacordo também, depende do momento. Faço
merda, ela está cansada de saber, mas a merda está feita, não tem
retorno; essa é a característica da merda, em todos os sentidos.
Não quero é ouvir sermão, passo mal. Nem dicas de organização.
Planilha Excel para os gastos? Já fiz. Saí com a moça para jantar
e esbanjei, estourei o cartão e desatualizei a planilha. Não, não
sou perdulário. Foi um impulso - e ela tinha uns peitinhos lindos.
Fosse um empresário bem-sucedido valeria o investimento. A verdade
é que sou pobre, sem grana, mas inteiramente construído para o
mundo dos ricos. Todo aparelhado para gastar com o bom e o melhor;
mas aí, cadê dinheiro?
Tento
explicar isso há séculos à tia Lucrécia. Há pessoas que nascem
em berço de ouro e sabem como gastar o dinheiro. Nasci num fim de
mundo sem ricos, mas alguma coisa criou-se em minha cabeça e aos
poucos, mesmo naquele lugar desinformado, comecei a sonhar com vinhos
italianos, carros esporte, livros caros, mulheres ainda mais
dispendiosas, dessas de jantares com trufa, hotéis cinco estrelas e
Victorias secrets. A minha passeou pelo saguão. Parecia um filme: as
paredes tinham uma coloração amarela ouro e não remetia à
opulência kitsch. Era um ambiente deslumbrante e despojado ao mesmo
tempo, sem bradulaques barrocos - olha como entendo de arte, tia –
e havia ainda uma escadaria gigantesca, por onde os donos da casa
desciam sem segurar no corrimão. Mas não é sobre isso que eu
queria falar. Volto à grana. Não é a primeira vez. Ela já me
salvou em outras ocasiões, piores e melhores do que a atual. O
problema é o preâmbulo. Para não sair daqui de mãos vazias, ouço,
engulo pequenos insultos, dedico aquele tempo para ser humilhado.
Quando saio, sem as mãos vazias, dou por finda as culpas, vou à
vida. Tia Lucrécia assina o cheque com certa contrariedade, entre
resmungos, mas quando desço, vejo que ela me olha pela janela,
pensativa e quase sorridente, alisando com leveza seus escorridos
cabelos brancos. As pessoas mudam de um parágrafo para outro. No
final, ela aposta suas economias em minha minha vida desregrada e
dispersa. Saí de lá emocionado com a pureza das relações
familiares e com meu cheque no bolso.
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