Conheci Adélia no Réveillon de
2014, ainda sob os fogos, ainda sob a chuva fina lançada por um vaporizador
gigante instalado em Copacabana. Os peitões eu não gostei, mas o resto era passável,
principalmente as coxas, aparentes sob o vestido branco, suspenso e molhado.
Ela sorriu e se aproximou, sem cerimônia, e em poucas horas, depois dos beijos
de praxe, sexo dentro d’agua, estávamos voltando de ônibus para São Paulo.
Adélia era de lá, eu também, e só na rodoviária soube que ela não tinha sequer
o dinheiro da passagem. Paguei as duas.
Minha situação não era tão
melhor. Morava entre duas cidades, em casa de amigos ou com minha tia. Adélia
pelo menos tinha um lugar dela, de dois cômodos, no cortiço do Jaguaré. Fiquei
lá, no colchão de casal. Foi bom, melhor do que eu esperava.
Dois dias depois chegou um cara
meio estropiado pelas festas. Foi simpático comigo e andou pela casa abrindo e
fechando gavetas, desembarcando coisas e verificando o conteúdo da geladeira,
provavelmente um caso de larica. Adélia nos apresentou: “é meu marido.
Pinguim”.
A ficha de Pinguim foi passada
na hora, por Adélia, na frente dele, sem contestações. Era músico, tinha suas
próprias composições, mas sobrevivia como estátua viva de Michael Jackson, na
Avenida Paulista. Pinguim não falava muito, talvez por habito da profissão, e
ainda cheirava a álcool da passagem do ano. Contou que esteve numas praias,
dormindo na areia. Existem muitas pessoas assim, até em São Paulo.
Achei a situação estranha. “Vou
embora”, eu disse. “Por que você não fica?”, perguntou a Adélia. “Cai por aí”,
completou Pinguim, apontando para um sofá menor do que eu. Não tive coragem de
esclarecer minhas dúvidas – eu, Adélia, o marido, as ocorrências em Copacabana
etc. Em vez disso, elogiei a casinha. “Muito aconchegante”, eu falei. Era o
único elogio possível para o muquifo do casal. Resolvi ficar.
Já era noite. Conversamos na
sala, sentados em almofadas. Pinguim continuava meio calado, embora não
demonstrasse contrariedade ou desconforto. Quando Adélia foi ao banheiro, ele
comentou: “mulher do caralho!”. Assim mesmo, exclamativo. Não parecia uma
indireta. Ela voltou e Pinguim não parou. “Não fosse essa daí eu já tinha
morrido”. Sem jeito, eu concordava, com gestos desajeitados. Adélia sorriu,
convencida.
Quando o casal se retirou,
passei a remoer suposições, enquanto tentava me ajeitar no sofá, enquanto
Adélia e Pinguim falavam baixinho no quarto. Quase dava para ouvir frases
inteiras. Não havia sinais de reclamações. O sujeito chega à própria casa,
encontra a mulher com outro homem e ainda convida o intruso para o pernoite. O
que é isso? Tentava dormir e não conseguia, pois logo vieram os sons de
beijinhos e depois a coisa evoluiu para uma trepada cheia de disposição. Eu já
conhecia as reações de Adélia; eram as mesmas com Pinguim. Bateu o ciúme no
lado errado. Eu estava com ciúme. Ciúme
e inveja de Pinguim.
Saí de manhã, de fininho, e não
dei notícias. No dia seis de janeiro, vi Pinguim de Michael Jackson na Paulista. A estátua ganhou vida e ensaiou uns passinhos de Thriller, deslizando na calçada.
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