A perda de equilíbrio e a queda. A cabeça bateu na torneira e o
sangue escorreu no chão branco do banheiro. Final alvirrubro, tontura,
escuridão e o início do filme com as memórias do quase morto. O coração parou
de bater, os pulmões pararam de trabalhar, mas a projeção estava nítida,
colorida e tinha letreiros, como no cinema dos vivos. Elenco enorme e lista de
patrocinadores. Meryl Streep no papel da mamãe e direção e roteiro do próprio
agonizante. Direção segura, diga‐se, apesar das condições desfavoráveis. Quem
reclama das dificuldades para fazer cinema no Brasil não imagina o que é isso.
Duas horas compactadas em alguns segundos. A morte e seu poder
de síntese. O autor estava gostando; só lamentava ser o único espectador. Pena
não ter feito o filme enquanto estava vivo, pois diante de dele, ou hospedado
nos últimos neurônios, estava um candidato ao Globo de Ouro ou pelo menos a um
Kikito, em Gramado.
Deixou a história correr, em seu ritmo frenético, em seu
processo lúcido e estruturado, conforme prevê Dr. Sam Parnia, da Universidade
de Southampton, especializado nessas produções proporcionadas pela parada
cardíaca. Só não apareceu o túnel com a luz branca e acolhedora. Não fez falta.
Só a abertura, com música de Nino Rota, pagava o ingresso.
Nessas horas finais não dá para pedir socorro nem o autor estava
interessado em interromper a sessão, mesmo se pudesse; queria ver sua obra
transcorrendo fora do tempo e do corpo. Cenários magníficos, interpretações
perfeitas, enredo encadeado. montagem vibrante, expressão máxima da produção
independente. O único porém é que o filme acaba e depois só o escurinho do
cinema para sempre. Sessão única. Merecia passar em outras salas, além daquela,
intransferível, incorpórea, fora do circuito comercial.
Cinema é a maior diversão e também a última.
Nenhum comentário:
Postar um comentário