Meu avô viveu até os cem anos e achou pouco.
Passa rápido, contou ele, aos noventa e tantos, enquanto sentia a morte como
um erro da evolução, mesmo para um centenário, e começou a encontrar razões
para o medo de desaparecer e o próprio sentido da existência. Para meu avô era
preferível não estar lúcido porque a lucidez leva a sofrimentos desnecessários.
Mergulhar no nada, de uma hora para outra, não estava em seus planos nem nos
planos de Deus. Meu avô era ateu.
O velho se agastava com as referências à
morte. Bastava ver os índices de expectativa de vida, na época 70 anos, para
dizer que aquilo era uma sentença de morte, a estatística apontando para um
multidão de pacientes terminais, um ultimato. Fosse superticioso, trataria aquilo
como agouro do IBGE. Não pense nisso, diziam, mas desde a infância meu avô só
pensava nisso. O pior não tinha a quem recorrer.
Pouco antes de embarcar de vez, meu avô
começou a ter delírios:
- O que vem agora? - perguntou meu avô morto
na porta do purgatório, talvez um pouco surpreso por encontrar as coisas lá em
cima do jeito que estão no catecismo. O local era catolicicíssimo, mas meu avô
não aparentava estado de graça, como deveria ser nessa etapa de purificação da
alma. Abandonara a religião e a fé e agora lidava com o oposto de suas ideias
ateístas. Ou nem tanto. Ali, na vida eterna ou coisa parecida, perguntou a um
transeunte alado onde estava Deus. O homem respondeu que naquele território e
situação, naquele tempo e naquele espaço, as dúvidas persistiam.
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