Ao pecado capital da
preguiça dedicou-se a vida inteira. Nunca trabalhou. Vive de herança, cada dia
menor, mas ainda suficiente para mantê-lo disposto a não mexer uma palha. Mas dá
à malta o melhor de si em conversas de bares, em eterno riso, em pequenos
textos – estes, um ócio muito trabalhoso, segundo Goethe, que ele adora citar. Comer,
dormir, ler, escrever e beber, eis a regra de ouro, só abalada pelo tédio, nas
tardes de sábado, quando pontualmente ele procura o sentido da vida e não
encontra. Nada atemorizante. Basta fumar um e o tédio passa; basta ir aos
amigos e comparar sua baixa demanda de esforço com o emprego deles em
repartições e empresas.
Ser um mandrião bem
sucedido exige organização e método. Ele
não faz cursos para evitar deveres de casa. Melhor ir a conferências, lançamentos
de livros e cinema. Depois, às festas, com cuidado para não cansar a audiência.
Não exibe qualquer sinal do malandro do cancioneiro popular, tipo que não
existe mais. Faz exercícios, lê jornais, diz coisinhas espirituosas no twitter
e repousa numa rede, ouvindo Mahler ou Nelson Gonçalves. Não mata o tempo –
deixa-o seguir seu rumo enquanto ele tira um cochilo.
São conselhos à toa, pois
agora, e no dia inteiro, ele não tem nada para fazer, a não ser escrever, mas
ninguém vive de prosa. Não é trabalho; é diversão. O principal, em sua área de
inatividade prática, é arrumar um discurso para a vagabundagem. A história do
livro não cola mais, faz quase dez anos e o livro não saiu. "Estou com um
projeto" também não serve. É vago
demais. A saída é enfrentar a realidade, justificando o ócio com embasamento
teórico e ceticismo em relação ao trabalho como motor da humanidade. Fica na
posição de observador deste mundo cheio de contradições e conceitos e,
aproveitando o embalo, cita autores que debocham da labuta como "um dogma
desastroso", à Paul Lafargue, aquele genro de Marx que se matou. Chega de
Mais-valia, portanto.
Tem mais: o expediente toma
da vida curta um tempo precioso, ao contrário do sono, fornecedor de outras
vidas e de conforto para corpo, que
desliza no infinito. Para ele, alguma atividade remunerada tira o poder da
contemplação; as sensações mais sutis e a sessão da tarde vão embora. Considera
que ficar de bobeira, numa segunda, é um
ato revolucionária da eterna greve individual. A máquina sempre funcionou sem
ele; continuará funcionando.
Então, ele não moe, não
entrega, não ergue, não bate pregos, não lava nem enxagua. No fim vai tudo dar
em nada, para todos, de qualquer jeito, assim ele pensa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário