Ariosto escreveu um grande
romance — eu li — e pretendia enviar os originais para uma grande editora. Não
mande, eu disse, porque eles nem vão ler. Escrever livros hoje em dia não é
mais um trabalho para escritores. A pessoa precisa ser conhecida por outra
atividade - cantor, ator ou socialite, por exemplo - e você é anônimo e pobre. Então, Ariosto, qualquer vidinha em evidência
na mídia tem mais chances de sucesso do que sua pequena obra prima. A maioria
dos editores trabalha com uma lógica peculiar do mercado. Basta frequentar
livrarias de aeroporto para ver a indigência. Na Sodiler basicamente não existe
literatura; só autobiografias de sub-celebridades, manuais de autoajuda,
conselhos empresariais e outras merdas. Chamam a atenção picaretagens clássicas
do tipo Nietzsche para Estressados,
Kafka para sobrecarregados e Oscar Wilde para inquietos. As editores
imaginam que o leitor quer essas coisas e, por falta de opção, o leitor termina
comprando.
Portando, Ariosto, não faça
isso, não envie os manuscritos. Se você
assinar seu nome em Crime e Castigo eles vão responder com uma
cartinha de recusa. É Praxe.
Expliquei a Ariosto que estou
feliz com minha pequena editora, embora enfrente o problema da péssima
distribuição, a má vontade das livrarias- especialmente da Saraiva - e o
silêncio dos suplementos literários — os que restam. A imprensa mantém um
convênio não escrito com as gigantes das letras. Editoras com menos de vinte
títulos mensais não aparecem nas prateleiras nem saem nos jornais. O meu livro
saiu porque tenho um amigo resenhista. Saiu uma vez, no lançamento, e pronto.
Mas seu caso, Ariosto, ainda
está na fase inicial, a publicação do livro. Pois saiba que uma carta
confirmando a publicação é coisa de filme americano, uma ocorrência tão ficcional
quanto seu belo livro sobre São Paulo. Caso eu não consiga convencê-lo a não ter
uma decepção doída, como um amor
perdido, leia A arte de Recusar um original, do canadense Camilien
Roy. Nesse pequeno romance, tão próximo da realidade brasileira, um fictício
aspirante a escritor tem seus manuscritos rejeitados por 99 editores. O autor
quis mostrar que a publicação de um livro por uma editora "respeitável"
é quase imposs ível
para um desconhecido e as desculpas para
não editá -lo são padronizadas, esfarrapadas e às vezes com potencial
para fazer um autor mais sensível
desistir de escrever, entrar em depressão profunda ou até se matar.
Quando a justificativa não é
banal, igual a milhares, é agressiva e desrespeitosa. A maioria das editoras
prefere o modelo padrão ("não se enquadra em nossa política
editorial"), mas o tipo ofensivo também existe. Roy, no entanto, não
flerta com o baixo astral. Prefere criar cartas com certo humor. São peças
ficcionais, mas factíveis, como a cartinha que segue abaixo:
Não
pretendo vexá-lo, mas seu manuscrito é ruim. É longo, tedioso banal e, ainda
por cima, ninguém trepa nessa história. É nulo! Milhões de livros iguais a esse
são publicados todos os anos. No que diz respeito à originalidade, a coisa está
feia. Mas não se preocupe, o senhor acabará encontrando alguém para publicá-lo.
Isso porque as pessoas entram nas livrarias e dizem: ‘Bom dia. Vou entrar de
férias e gostaria de ler alguma coisa leve e agradável. O que o senhor me
sugere?’ Então, sem recuar diante de qualquer baixaria para encher a caixa
registradora, o livreiro empurra para o infeliz uma bobagem qualquer do tipo
que o senhor escreveu. Romances para um fim de semana, rapidamente lidos,
rapidamente esquecidos.
Por
isso, Ariosto, arrume outras companhias, crie maneiras novas de publicar, reze
para São João Bosco, escreva suas linhas noutras paradas. Posso dar uma força.
Estou pensando num livrinho em forma de bula™ de remédio, uma coletânea, para
editar em gráfica rápida, papel fininho, fonte Paladino Linotype. Você poderia
pensar numa historinha sobre efeitos colaterais. Eu cuido das reações adversas.
Depois a gente se veste de homem-sanduíche e vende as bulinhas nas calçadas,
por R$ 2,00.
Um conselho para as grandes
editoras: se Ariosto mandar os originais, só respondam em caso de milagre; só
respondam se forem publicar o livro.
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