quinta-feira, 27 de março de 2014

Recusa de editoras pode matar escritores


Ariosto escreveu um grande romance — eu li — e pretendia enviar os originais para uma grande editora. Não mande, eu disse, porque eles nem vão ler. Escrever livros hoje em dia não é mais um trabalho para escritores. A pessoa precisa ser conhecida por outra atividade - cantor, ator ou socialite, por exemplo - e você é anônimo e pobre.  Então, Ariosto, qualquer vidinha em evidência na mídia tem mais chances de sucesso do que sua pequena obra prima. A maioria dos editores trabalha com uma lógica peculiar do mercado. Basta frequentar livrarias de aeroporto para ver a indigência. Na Sodiler basicamente não existe literatura; só autobiografias de sub-celebridades, manuais de autoajuda, conselhos empresariais e outras merdas. Chamam a atenção picaretagens clássicas do tipo  Nietzsche para Estressados, Kafka para sobrecarregados e Oscar Wilde para inquietos. As editores imaginam que o leitor quer essas coisas e, por falta de opção, o leitor termina comprando.

Portando, Ariosto, não faça isso, não envie os manuscritos. Se você  assinar seu nome em Crime e Castigo eles vão responder com uma cartinha de recusa. É Praxe.

Expliquei a Ariosto que estou feliz com minha pequena editora, embora enfrente o problema da péssima distribuição, a má vontade das livrarias- especialmente da Saraiva - e o silêncio dos suplementos literários — os que restam. A imprensa mantém um convênio não escrito com as gigantes das letras. Editoras com menos de vinte títulos mensais não aparecem nas prateleiras nem saem nos jornais. O meu livro saiu porque tenho um amigo resenhista. Saiu uma vez, no lançamento, e pronto.

Mas seu caso, Ariosto, ainda está na fase inicial, a publicação do livro. Pois saiba que uma carta confirmando a publicação é coisa de filme americano, uma ocorrência tão ficcional quanto seu belo livro sobre São Paulo. Caso eu não consiga convencê-lo a não ter uma decepção  doída, como um amor perdido, leia A arte de Recusar um original, do canadense Camilien Roy. Nesse pequeno romance, tão próximo da realidade brasileira, um fictício aspirante a escritor tem seus manuscritos rejeitados por 99 editores. O autor quis mostrar que a publicação de um livro por uma editora "respeitável" é quase impossrta com o baixo astral. Prefereuferiu criar cartastort desistir, se matarrente outro problemaes sível para um desconhecido e as desculpas para  não editá -lo são padronizadas, esfarrapadas e às vezes com potencial para  fazer um autor mais sensível desistir de escrever, entrar em depressão profunda ou até se matar.

Quando a justificativa não é banal, igual a milhares, é agressiva e desrespeitosa. A maioria das editoras prefere o modelo padrão ("não se enquadra em nossa política editorial"), mas o tipo ofensivo também existe. Roy, no entanto, não flerta com o baixo astral. Prefere criar cartas com certo humor. São peças ficcionais, mas factíveis, como a cartinha que segue abaixo:


Não pretendo vexá-lo, mas seu manuscrito é ruim. É longo, tedioso banal e, ainda por cima, ninguém trepa nessa história. É nulo! Milhões de livros iguais a esse são publicados todos os anos. No que diz respeito à originalidade, a coisa está feia. Mas não se preocupe, o senhor acabará encontrando alguém para publicá-lo. Isso porque as pessoas entram nas livrarias e dizem: ‘Bom dia. Vou entrar de férias e gostaria de ler alguma coisa leve e agradável. O que o senhor me sugere?’ Então, sem recuar diante de qualquer baixaria para encher a caixa registradora, o livreiro empurra para o infeliz uma bobagem qualquer do tipo que o senhor escreveu. Romances para um fim de semana, rapidamente lidos, rapidamente esquecidos.   

Por isso, Ariosto, arrume outras companhias, crie maneiras novas de publicar, reze para São João Bosco, escreva suas linhas noutras paradas. Posso dar uma força. Estou pensando num livrinho em forma de bula™ de remédio, uma coletânea, para editar em gráfica rápida, papel fininho, fonte Paladino Linotype. Você poderia pensar numa historinha sobre efeitos colaterais. Eu cuido das reações adversas. Depois a gente se veste de homem-sanduíche e vende as bulinhas nas calçadas, por R$ 2,00.




Um conselho para as grandes editoras: se Ariosto mandar os originais, só respondam em caso de milagre; só respondam se forem publicar o livro. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário