Era do
pior tipo de escritor dos três enumerados por Schopenhauer em Parerga e
Paralipomena, pois escrevia baseado em reminiscências ou a partir de livros
alheios. Queria ser do tipo raro, movido apenas pelo pensamento puro, compondo
cada parágrafo como uma sentença definitiva sobre o século e a vida. Não chegou
nem perto. Ele escrevia por dinheiro umas reportagens existenciais, normalmente
crivadas de descrição de paisagens e
personagens construídos com gente de carne e osso. Mantinha o projeto do livro
imortal, mas enquanto isso ia levando a vida à base de impressões de viagens e
coletâneas de pequenos contos.
Para a
chamada literatura séria escreveu um romance com início delicioso, miolo sem
graça e final inverossímil. Ficou conhecido como escritor de começos. No
primeiro parágrafo tudo parecia se encaminhar para a apoteose, mas a apoteose
estava somente ali mesmo e o resto era diluição, dispersão e tédio.
Não ser
um escritor jovem também o entristecia. Não podia recomeçar. Sintomas clássicos
que via nos velhos de sua infância sentia em si, aos 69 anos, e pensava na diferença entre uma ocasião e
outra, mergulhando num estágio em que até
a depressão já partira, deixando em seu lugar um monstro muito pior.
Ficava ruminando problemas o tempo inteiro, negócios dele e dos outros, textos
que não saíam do canto, e demonstrava impaciência contra a velocidade de tudo,
contra Deus, contra os costumes, contra o pessoal do telemarketing. Tais
aperreios também servia à dispersão.
Queria
pelo menos ser reconhecido como língua ferina; ferina e densa, cheia de
conteúdo, capaz de provocar certo medo na plateia, além de vasta curiosidade
nas mulheres. Assim achava, e queria outro tipo fazer um tipo, fora esse de
escritor de médio alcance, porque lidava com a imensa dificuldade de escolher
palavras certas, as que batessem com situações e conceitos pensados. Sem isso
não funcionava.
Tinha
ainda o vício de estabelecer relações entre histórias, quando não havia relação
nenhuma, a não ser para ele, tomado pela
mais interna das piadas, a que só serve ao autor. O exercício de escrever, no
entanto, era seu ganha pão,
principalmente depois da criação das revistas de turismo literário, um negócio
entre a subliteratura e o jornalismo, que apareceu por volta de 2016. Ele
estava autorizado a enxertar personagens fictícios no texto, mas os de verdade
saíam melhores. Escreveu um romance razoável, mas faz tempo.
Suas
teorias sobre a literatura talvez fossem mais interessantes do que o texto
literário. Não o que escreveu, mas o jeito de falar das palavras, como forma e conteúdo,
imaginando leitores que pudessem ver em determinada palavra um significado bem
além do significado que foi pensada pelo autor. Era sua conversa quase única,
mas boa de ouvir, por causa de certa melodia. Por isso, seus ouvintes se
enrolavam nas explicações, de tão entretidos com o som e molejo da história.
Não conseguiu passar isso para a escrita.
Também
parecia conhecer tudo em profundidade e enganava bem nessa área. O segredo era
construir na mente um parágrafo elegante sobre determinado tema - um bom lead, como diriam os jornalistas – e
quase certamente seus ouvintes iriam imaginar que, dali em diante, viria um
discurso longo e filosófico. Que nada. Ele soltava uma frase a respeito de uma
conversa e logo lançava outra para barrar a primeira. Só parava esse joguinho
na hora da literatura que, de fato, dominava. Não era um especialista em todas
as coisas; era um generalista de especialidades.
Então
começou a escrever e sentiu uma dor forte no peito. Parou. Mas veio a segunda,
a terceira e uma quarta mais forte e ele tombou diante de uma história ainda no
início, passada em um pequeno hotel do Chile durante o terremoto. Excelente
parágrafo inicial, como sempre. O resto não valia a pena.
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