Por que preciso de semanas e meses para
resolver coisas que algumas pessoas resolvem em um minuto, bastando um
telefonema? Pergunto isso porque tenho
parado para pensar e nessas paradas me vêm algumas explicações bem
revoltantes. Agilização, que é uma
palavra horrível, só serve àqueles cuja
malha de relações é precedida de algum dinheiro em caixa ou cargo público. Não falo de hoje, não; falo de sempre. Tive umas pendências em
determinada repartição e não podia encerrar o assunto, pagando a multa, em
prestações, porque outra pendência mais adiante, em outra repartição, impedia a
limpeza do meu nome em serviços de proteção
ao crédito. Passei uns três meses nesse vaivém entre órgãos públicos e privados,
sem contar o Poder Judiciário, pois algumas contas foram parar no cartório.
Enquanto eu ia e vinha, entre filas e filas,
passando várias vezes pela mesma máquina de xerox, correndo atrás de
autenticações e fazendo muitas perguntas sobre o andamento do processo;
enquanto eu fazia tudo isso e muito mais,
conheci um sujeito que saiu com toda documentação em dia, tudo OK,
gastando apenas o tempo de um cafezinho na sala do administrador. Quando ele
tomou o último gole, já entrava na sala a secretária, com o problema resolvido
debaixo do braço.
Minha revolta não é contra isso, não. Fico puto
porque não consigo o mesmo; criar minha
network, fazer amigos, influenciar pessoas.
Às vezes acho que é falta de charme, magnetismo pessoal; ausência
completa e definitiva de humor, desleixo com a aparência ou pouco conhecimento
sobre o labirinto da burocracia. Mas tenho quase certeza que é a falta de
dinheiro, único meio de gerar mais dinheiro, numa quantidade muito além da
nossa capacidade de consumo. Notei nessa
peregrinação a grande troca de favores mediante uma graninha para uns e outros,
de forma que todos saíam satisfeitos, uma mão molha a outra, e o mundo não se acaba por causa disso. Pelo contrário,
percebo ainda que a eventual erradicação desses costumes terminaria por
interromper o bom andamento do processo burocrático em muitas áreas do planeta.
A propina, tirando ética e culpa, lubrifica as relações sociais e econômicas e facilita o trâmite de
papéis necessários à nossa existência.
Pode ser vista como uma um adicional de insalubridade num salário nem
sempre condizente. Eu, por exemplo, quero pouco, pelo menos o suficiente, mas
nem isso tem acontecido. Sou então obrigado a reunir todas as forças para
enfrentar o longo caminho espinhoso que segue dentro da Lei. Não sei como me
apresentar ao seleto mundo da corrupção, pelo menos a passiva; desconheço os
rituais de iniciação e o linguajar cifrado dessas pessoas.
Nesse mundo restrito, a competência tem que ser
dobrada e todas as culpas podem ser curadas com uma parte de cinismo e outra de
filosofia. Outro dia, um conhecido lobista de nossa cidade estava a discutir
alguma coisa do filósofo Emmanuel Lévinas, que
um dia perguntou: "por que eu deveria ser ético?". Nem esperou
pela resposta e concluiu logo que daria, sim, para viver sem essa rigidez de regras e códicos e assim ganhar muito
dinheiro, usando mais sagacidade do que esforço.
Sonho com uma vida mais folgada, mesmo fora
dos parâmetros, porém um resto de decência me faz pensar não apenas em mim. Penso
também na maioria das pessoas que passa meses à espera de resoluções,
quitações, certidões, habilitações, enquanto um sujeito como esse conhecido meu
precisa apenas pagar de um lado e receber do outro, sem perder tempo precioso
da vida em batalhas burocráticas contra obstáculos jurídicos que, segundo
dizem, são a base da civilização ocidental
etc e tal. A Lei pode ser para todos, mas o descumprimento dela parece
reservado a um grupo pequeno e privilegiado.
Na verdade, eu tenho uma tese sobre essas
coisas e gostaria de expressá-la num curso de Direito, numa missa, em
sindicatos patronais e serviçais, em qualquer canto interessado em ouvir a
injustiça que é a existência de uma
minoria cujos crimes não resultam em punição; são aceitos socialmente, como se
fossem folguedos populares ou função
religiosa. Eis então a minha tese: melhor legalizar a ilegalidade, deixando
claro que a prática de alguns atos ex-ilícitos deverá ser discreta, delicada, elegante, incapaz de ferir, muito
menos matar, e acima de tudo dentro do nível do bom senso.
Dar ou receber comissão, numa troca de
favores, aceitação das duas partes, no
máximo com terceiros envolvidos - que mal há nisso? Qual o problema se o referido ex-crime for
aberto ao público em geral, sem distinções de sexo, raça e credo - qualquer
diferença? Uns ganhariam mais e outros ganhariam menos, claro, mas aí já
dependeria da aptidão de cada qual, interesse pela coisa, jogo de cintura e
outros atributos. O importante é que todos teriam acesso às portas certas, aos
principais conluios do dia, todas as negociatas estariam nos jornais, quem
quiser que se habilite.
- E o dinheiro público? - perguntarão, com
certeza. Ora, se todos se locupletam não haverá grandes problemas, exceto algum
alvoroço na bolsa, mas esta também estará no bolso, junto com grandes e pequenos
acionistas, ascensoristas e offcie-boys. Teremos abalos nas contas públicas,
no princípio, porque depois a nova cultura será assimilada e compensada pela
distribuição de renda que irá proporcionar.
De qualquer forma é só uma ideia que surge e
vai embora e ressurge sem aviso nesses dias difíceis em que procuro dar um
jeito na vida e não conto com uma mãozinha, alguém que mexa os pauzinhos, um
pistolão, um parente bem situado. Pior: se encontrasse facilidades dessa
natureza não estaria à vontade de usufruí-las pelos motivos supracitados. O resultado
é que minha tese se perde no começo da noite, insurge-se contra ela mesma,
contradizendo o que penso quando me revolto.
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