Não
vale recorrer a pessoas pré-existentes nem a situações conhecidas, disse o
professor da oficina de texto, logo acrescentando que os personagens deveriam
ser enquadrados em cenas absurdas e bizarras, mas sem perder a verossimilhança.
Nem vale também chamar o escrito de literatura fantástica, advertiu o
professor, chamando sua proposta de "O desafio".
Então,
todos os laptops foram desembainhados, numa disposição só encontrada em jovens
escritores. Não houve, porém, o aperto de teclas. Só naquela momento o desafio
se apresentou de fato, pois eles não
tinham o que escrever nesse espaço tão
estreito. Exceto um, uma, a mais jovem, cuja redação foi dedicada ao ato
de escrever e escreveu à mão sobre como escraviza-se às letras, aos seus
pensamentos medonhos, às dores resolvidas por remédios, ao modo de vida que não
vive; apenas pensa e não avança à pratica. Faz outro movimento: transfere aquilo para outros,
todos fictícios.
Seu
mundo interno não é redondo nem quadrado, quase não geométrico, quase uma
loucura fora do espaço, embora seja formalmente simétrico, sem experimentações,
como gostam os demais naquele ambiente. Não é uma perdição num mundo sem Deus;
só o relato de um personagem que envia cartas e cartões de Natal carregados de
desespero e pessimismo e, numa aparente contradição, seu modelo para o Desafio é
um homem que se compraz numa arte em que nada vale a pena, nem mesmo a
arte.
Segundo
ela, em seu pequeno conto, a mensagem de fim de ano sempre vem pelo correio,
como antigamente, e não traz felicitações e desejos de boas festas, mas a
pisada lamúria do homem velho
sobre a existência, sempre de um jeito inconveniente para o período natalino e agora ele reclama
da luta contra o tempo, a que tudo se resume, e diz que a partir dos cinqüenta
anos a luta transcorre em maior velocidade e quando notamos a correria das
horas a vida já passou. O velho tem setenta anos e tornou-se um existencialista
tardio num mundo cercado de cuidados com
coisas compradas e vendidas. Pelo menos é o que ele e ela acham.
É
uma brincadeira, talvez sem graça, e às vezes preocupa o espírito de algum
destinatário, pois chega o velho com a lembrança da finitude justamente quando
as pessoas estão renovando votos e fazendo planos e enchendo os shoppings até as
dez da noite. Ela, também personagem, já está acostumada com o infeliz
missivista e sua dificuldade em lidar com a velhice. Num dos parágrafos, ele
escreve que tenta arriscar-se no mundo das sutilezas naturais, para o tempo
escorrer devagar, mas a brisa prazerosa lhe dá gripe e o mar vazio, agradável a
princípio, logo se transforma numa
fonte de melancolia. Só ela lhe responde às cartas e sugere pílulas para
regular o humor, como as que toma, ou aceitar as coisas como são, deixa isso
pra lá, pois quem fica pensando nessa história termina louco ou suicida. O
velho parece se animar apenas com a escrita das cartas e cartões natalinos e
certa feita mandou um enorme tratado sobre seu estado d ’alma, tocando de leve
na questão de tirar a vida, mas explicando que não quer dar trabalho a outros
de forma tão intencional.
Com
o tempo, a correspondência do velho foi ficando banal, da mesma forma que hoje
parece banal qualquer discussão a respeito do sentido da vida, porque não é com
isso que estamos ocupados, especialmente no fim do ano. Estamos destinados a
louvar o senhor que agora nasceu, morreu para nos salvar e depois subiu aos céus,
conforme diz a Bíblia e conforme nossa boa vontade em aceitar essa relato. Na
verdade, o velho não acredita em Jesus nem em Deus e acima de tudo detesta a idéia
de morrer um dia.
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