Quando a máquina chegou, bastava qualquer um ditar sua história
e ela traduzia para o estilo literário escolhido, forma e conteúdo
equilibrados, sem erro de digitação, gramática ou lógica. A primeira versão
trouxe opções de romance, conto e crônica. Era só o começo. O novo modelo,
lançado no ano seguinte, pôs à disposição dos novos escritores aplicativos para
poesia, ensaio e peças de teatro, cada um com um amplo cardápio de linhas a
serem seguidas, incluindo a linha ideológica, além de termo de adesão a
determinadas fontes do pensamento ocidental.
Caso o usuário esgote sua cota de personagens reais, a máquina
oferece um banco de personagens: sujeitos de nariz adunco, mulheres de olhar
macilento, gordas patuscas, pobres, ricos, párias da sociedade, enfim um
estoque que inclui protagonistas, oponentes e figurantes de qualquer origem,
todos embalados com suas falas e ações minuciosamente descritas. No mesmo site,
é possível adquirir um pano de fundo histórico, como sua rua (ver pelo CEP) ou
a Rússia do século 19.
A Máquina, cheia de sensores e censores, pode sugerir mudanças
no final ou em todo o texto, caso o usuário tenha dificuldade de expressar abstrações
ou tenha vida uma vida chata, ruim para biografia. Também pode achar a história
sem graça e salvá-la com um upgrade na forma e no detalhe, salpicando aqui e
acolá alguns penduricalhos proustianos.
A novidade causou grande impacto, mas trouxe contradições. O que
parecia uma questão restrita ao mundo literário e a seus poucos leitores, logo se
transformou num grande problema, inclusive no mundo digital. Todo mundo queria
escrever sua obra e escrevia, causando uma inflação de títulos na praça e na
nuvem, e dessa forma países inteiros passaram a ter mais autores do que
leitores. Ninguém se dá ao trabalho de comprar o livro do outro, pois prefere o
seu próprio, para reler e guardar como recordação.
Os escritores mais antigos, acostumados a fazer esse trabalho
sozinhos, preferiram aposentar-se da literatura. Houve tentativas periféricas
de voltar aos métodos antigos, sem a máquina, mas naufragaram. Perdia-se muito
tempo para escrever um livro. Mas ainda há uma livraria artesanal, com
clássicos do período pré-Máquina. Fica ao lado de um antiquário.
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