As coisas não funcionaram dentro do previsto e por isso estou de
volta e por isso trouxe comigo a minha mulher doente, esta com o rosto
escondido. Vamos ficar aqui, num cantinho qualquer, caso não seja incômodo, e
prometo procurar emprego, todos os dias, mesmo que não haja emprego para um
homem de sessenta anos. Além disso, tenho uma longa história para contar e
espero sua paciência e compaixão, se não é pedir muito.
Minha vinda para sua casa tem um motivo. Por enquanto, enquanto
me ajeito aqui, quero sua atenção para o fato de que seu ex-marido morreu há
muitos anos e eu sou apenas uma cópia dele, feita às pressas, instruída para procurá-la
e mais do que isso – vim por vontade. Não pergunte por quê; é assim. Não tenho
maiores pormenores; seu marido esforçou-se para dar mais detalhes, mas só disse
“vá”. Fechou os olhinhos e seguiu em outra direção. Cumpro minha palavra e
minha natureza e estou em sua casa com minha mulher doente, aliás, mulher dele,
deixada viúva, quase não fala.
É uma situação complicada e um pouco destoante do senso comum.
Talvez destoante demais. Além disso, não sei explicar-me direito, como cópia,
porque sou igual ao que ele era e desse modo sou ele. Eu entendo a sua cara de
espanto e até agradeço. Prova de que ouve minha história de cópia de seu
ex-marido, um homem que você não vê há uns vinte anos. Então, deve se perguntar:
por que eu (ele) voltaria depois de tanto tempo? Que palhaçada é essa de cópia?
Fosse só isso, eu sei, dava para levar dentro do seu arsenal de
palavras e vivências, mas agora tem um dado bem além, pois embora eu tenha os
mesmos jeitos e gestos de seu marido, um processo qualquer deu errado – ou
certo, depende – e detectei em mim uns pedaços que não são dele, eu sinto, e
esses pedaços, meus, exclusivos, pensam outras coisas. Sou seu ex-marido até certo ponto – gostou do
cheiro? -, mas sinto outro tipo de intimidade com você, a minha, a da cópia,
não a dele, o original.
Minha mulher doente tem cara de doente. Tudo o que se imaginar
em literatura está em seu rosto mortiço, pele macilenta, maçãs do rosto
afundadas. Tosse e tem delírios. Ela não sabe o que se passa, pois não viu a
morte do marido e acha que tudo é produto da doença. Basta ela tirar esse xale
em que ela se esconde de medo.
Também é importante deixar claro que voltei para ficar. Estou
aqui a partir de agora, sem dinheiro, e ainda por cima trazendo comigo uma
mulher doente. Lembro-me dela antes, saudável, sentada numa varanda, olhando o
tempo passar, numa recordação minha; não dele. A vinda aqui é de entendimento, portanto. Se
você pensa que sei mais desse acorrido, com seus resultados bizarros, está
enganada. Uma cópia só sabe que é cópia e um pouco mais, talvez o bastante. Não
sabe por quê. Tenho registro para vir aqui e cá estou; mas não é apenas isso. Ainda
tenho restos de memórias sobre outra vida, em que talvez eu não fosse cópia, e
em que você está sentada, numa varanda, olhando o tempo passar.
A razão principal da minha volta, no entanto, é outra. Voltei
porque você também é cópia. Cópia dela, da minha mulher doente, da mulher dele
doente, e quero continuar com você, pelo resto da vida, porque ela, agora
mostrando o rosto, está indo embora daqui pouco, deixando partes em sua vida, e
pelo jeito é assim que funciona. Só não sabemos por quê.
Nenhum comentário:
Postar um comentário