Quando contei que estava escrevendo um romance sobre 1979, ele
simplesmente mudou de assunto. Sua aparente falta de curiosidade escondia uma
coisa grave, pois já sei como o animal se comporta nessas horas. O assunto puxado
por ele era irrelevante e apareceu assim, numa tomada de fôlego, apenas para
substituir o anterior, mostrando como Ateneo se assustara com minha revelação.
Pensei: volto ou não volto ao meu livro? Estou pronto para uma avaliação de quarenta
anos de amizade?
A princípio, a preguiça contou mais. Seria uma conversa dolorida,
cheia de reclamações, e isso termina até afetando sua relação consigo mesmo.
Mas Ateneo parecia tão desconcertado, sem saber o que dizer; ele estava pálido.
Então resolvi enfrentar o animal, como enfrentei outras vezes, na infância e
adolescência, quando passamos a nos chamar um a outro de animal.
O negócio foi se esclarecendo. Ateneo tinha pensado o mesmo
livro, que nasceu de nossas conversas em 1979 sobre o universo das partículas e
as histórias bizarras da física quântica - como o fato de um nêutron estar em
vários lugares ao mesmo tempo. O enredo se mesclava com pessoas que conhecemos
na época e cada uma delas fazia parte do Modelo Padrão – teoria quântica de
campos desenvolvida entre 1970 e 1973. Nós, os personagens, éramos as partículas
fundamentais da matéria.
Estudante de Física, ele se achava dono de mais de cinquenta por
cento dessas conversas, emitia mais informações, e, portanto eu não poderia
começar a escrever um livro sobre o assunto à sua revelia. Mais: ele se achava
o coautor natural de um romance que estava nas primeiras linhas. Quanto ao seu
próprio romance, Ateneo garantiu que estava amadurecendo a ideia e quando esta amadurecesse
me chamaria para um trabalho a quatro mãos.
A partir daí nos deixamos de falar.
Mais tarde, fiquei sabendo que Ateneo também tinha escrito o livro,
enquanto fiquei só no início, travado com nossa última conversa. Eu, na
verdade, era o enganado, e entendi finalmente sua reação naquele dia. Ateneo não
se sentia traído, ou, pelo contrário, não sentia culpa. Seu desespero e sua fúria eram apenas pelo
risco de não ser mais inédito.
Resultado: Ateneo editou o livro, com seus próprios recursos,
porque nenhuma editora se interessou. Depois disso, só silêncio da crítica e desprezo
do público. Ele terminou seus dias cercado de exemplares encalhados.
Tantos anos sem vê-lo, a raiva havia cedido. Recebi o desfecho
com imensa tristeza, não apenas por ele, mas por todos nós, personagens do
livro sobre 1979. O nosso modelo padrão havia desabado na teoria e na prática.
Era só uma ideia pretenciosa e perdemos muito com isso.
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