Já tentei algumas vezes, mas achei complicado, ela disse, sobre morrer. Nenhuma tentativa foi muito séria, mais um ensaio, quase sempre comprimidos. Uma cartela. Vomitou. Ficou zonza e arrependida. Também se perguntou o que acontece depois. Analisou com calma as vantagens e as desvantagens do nada, a possibilidade de um escuro permanente, alguém do outro lado. Não gosto dessa conversa, eu disse, por que não espera a hora? Todo mundo se vai, um dia, aí você resolve seu problema. Qual é mesmo o problema? O de sempre: tédio.
Não
fiquei com cara de reprovação; só curioso. Cada um põe e dispõe. Só avisei que
só vemos a morte pelo lado de fora, o sucumbido teso parado inerte, mas como um
pêndulo também se mexe, mesmo parado, como ponto final no escuro. Coisinhas
fazem um rebuliço fabril por dentro, e ninguém vê – alma ou átomo, tanto faz.
Bichinhos sem vida, de malas prontas, infinitesimais, todos discutindo em
língua pisca-pisca, luminescentes, ou em ondas de luz. Veja em que confusão você irá se meter.
Os
pedacinhos do mais ínfimo pedacinho vão embora, como se vai embora do emprego.
Não têm mais o que fazer. O corpo fica; o corpo não sabe
disso, pois desmaia para sempre. O que eu falei era suposição, para distraí-la,
e pela primeira vez notei que prestava atenção. Mais atenção ainda quando criei
que os miudinhos não carregam nossas informações, não sabem quem são – são quase
coisa nenhuma. Apenas ocupam espaço, fazem número; com eles não existem copos
meio vazios ou meio cheios, pois lotam tudo. Perambulam por anos a fio, até
encontrarem outra hospedagem. Vi num livro. Você tem uns que já foram de
Shakespeare ou de Gengis Khan. Então é uma reencarnação efêmera. O futuro
afeta o presente e até o passado. Você pode estar lá na frente com os mesmos
problemas. Passado, presente e futuro estão moldados, em fatias pré-existentes.
Essa equação já existe. Por isso pode ser inútil matar-se, eu disse, porque
depois pode ser pior. O tédio pode ser pior. Tudo pode ser pior do que agora.
Dei-lhe
o que podia: um enredo sem pé nem cabeça. Ela prometeu não tentar mais - nunca
mais.
Às
vezes basta explicar que não há explicação.
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