segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Nunca mais


Já tentei algumas vezes, mas achei complicado, ela disse, sobre morrer. Nenhuma tentativa foi muito séria, mais um ensaio, quase sempre comprimidos. Uma cartela. Vomitou. Ficou zonza e arrependida. Também se perguntou o que acontece depois. Analisou com calma as vantagens e as desvantagens do nada, a possibilidade de um escuro permanente, alguém do outro lado. Não gosto dessa conversa, eu disse, por que não espera a hora? Todo mundo se vai, um dia, aí você resolve seu problema. Qual é mesmo o problema? O de sempre: tédio.

Não fiquei com cara de reprovação; só curioso. Cada um põe e dispõe. Só avisei que só vemos a morte pelo lado de fora, o sucumbido teso parado inerte, mas como um pêndulo também se mexe, mesmo parado, como ponto final no escuro. Coisinhas fazem um rebuliço fabril por dentro, e ninguém vê – alma ou átomo, tanto faz. Bichinhos sem vida, de malas prontas, infinitesimais, todos discutindo em língua pisca-pisca, luminescentes, ou em ondas de luz. Veja em que confusão você irá se meter.

Os pedacinhos do mais ínfimo pedacinho vão embora, como se vai embora do emprego. Não têm mais o que fazer. O corpo fica; o corpo não sabe disso, pois desmaia para sempre. O que eu falei era suposição, para distraí-la, e pela primeira vez notei que prestava atenção. Mais atenção ainda quando criei que os miudinhos não carregam nossas informações, não sabem quem são – são quase coisa nenhuma. Apenas ocupam espaço, fazem número; com eles não existem copos meio vazios ou meio cheios, pois lotam tudo. Perambulam por anos a fio, até encontrarem outra hospedagem. Vi num livro. Você tem uns que já foram de Shakespeare ou de Gengis Khan.  Então é uma reencarnação efêmera. O futuro afeta o presente e até o passado. Você pode estar lá na frente com os mesmos problemas. Passado, presente e futuro estão moldados, em fatias pré-existentes. Essa equação já existe. Por isso pode ser inútil matar-se, eu disse, porque depois pode ser pior. O tédio pode ser pior. Tudo pode ser pior do que agora.

Dei-lhe o que podia: um enredo sem pé nem cabeça. Ela prometeu não tentar mais - nunca mais. 


Às vezes basta explicar que não há explicação.  

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