Quando eu era criança, pedi a meu pai para
comprar um atlas pelo correio. Demorou quase um mês para chegar porque nos anos
sessenta tudo demorava a chegar. Quando vi o carteiro pela janela do quarto,
corri apressado para pegar a encomenda e abri o pacote antes de dizer qualquer
coisa - nem disse bom dia nem oi - e abri o atlas na página do Brasil. Em
seguida, já estava no meu pequeno estado, mas caí na mais profunda tristeza ao
descobrir que a cidade onde nasci não estava no mapa. Aquilo resumia minha
infância a nada.
Não estamos no mapa, disse à minha mãe, que
preparava o almoço. Ela não deu a devida importância e respondeu apenas que um
dia a cidade estaria no mapa, era só uma questão de tempo, bastava aumentar a
população, e talvez o novo prefeito tivesse influência suficiente para corrigir
aquela pequena injustiça. À noite, quase não dormi, pensando como é melancólico
e solitário morar num lugar em que nem o atlas sabe onde fica e muito menos as
outras pessoas do mundo. Eu era uma criança bairrista.
Pelos livros, sabia que alguns lugares
sumiram do mapa, destruídos ou abandonados por seus moradores, cidades reais e
imaginárias, mas nunca ter estado no mapa era um baque maior, como se alguém
dissesse, com toda a certeza: você não existe nem existiu. Nem sua família nem
a agência dos correios nem o grupo escolar nem a sorveteria de Dona Nazinha. No
dia seguinte à chegada do atlas, olhei para as ruas vazias, perdidas no sertão,
cercadas de mato, e comecei a chorar.
Desde então tudo perdeu importância, até a
escola, pois quando a professora começava falar sobre as datas mais importantes
do município, eu ficava pensando se adiantava ter história se não tínhamos
geografia. Clarinha, a menina mais bonita da escola, pelo menos a mais engraçada,
também não estava no mapa, como não estava no mapa a fábrica de gelo do avô.
Lembro-me do calor de quarenta graus lá
fora e os dedos gelados de tanto esfregar as mãos nas barras geladas,
encomendas da sorveteria e do açougue. Era o melhor lugar da cidade e eu ficava
por lá nas horas vagas, que eram quase todas.
O certo é que a cidade era pequena em
proporção ao tamanho da fábrica de gelo do meu avô e gerava muita curiosidade
no município porque as pessoas estavam naturalmente intrigadas sobre o
surgimento de tanta coisa fria numa terra tão quente. Faz muito tempo, mas
naquela época não entrava na cabeça de ninguém o fato de que um motor a diesel,
um negócio mais abrasador do que a cidade, servisse para esfriar fosse o que
fosse. Mas esfriava e muito.
Enquanto a rua pegava fogo lá fora, meio
dia o dia inteiro, a fábrica mantinha-se num clima austríaco, conforme escreveu
o único jornalista da cidade, José Onofre, editor, diretor e distribuidor do
semanário A Razão. Ou seja, mesmo os espíritos mais abertos a novidades estavam
perplexos e buscavam explicações. No entanto, apesar de seu motor e o gelo,
mesmo com o jeitinho engraçado de Clarinha, mesmo assim, a cidade não estava no
mapa.
Quando completei dezoito anos fui embora
estudar na capital e depois segui para São Paulo, transferido pela firma. Com o
passar dos anos, a cidade, que já não estava no mapa, foi se apagando da minha
memória. Morreram todos – avós, tias e os homens que faziam gelo. Morreu Zé
Onofre e Razão deixou de circular. Morreu dona Nazinha da sorveteria e morreram
o prefeito e seu sucessor, que não moveu uma palha para colocar a cidade no
Atlas.
Há uns dias, décadas e décadas depois,
olhei por curiosidade o mapa do Google e minha cidade estava lá. Não só o nome,
em letras grandes, mas as casas e ruas, becos e a igreja, e o velho prédio do
grupo escolar, ampliados, quase realidade, e as ruínas da fábrica de gelo e a
sorveteria de Nazinha, que virou minimercado, e a casa onde morou Clarinha,
agora um salão de beleza. Mas aí não importava mais. Eu queria ter visto no
Atlas.
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