No espaço curvo onde me encontro as perguntas não têm respostas.
Não basta a falta de um canto para encostar e estirar as pernas, não basta o
desconforto de estar arqueado no oco, não basta o tempo passado num lugar sem referências,
e ainda me vêm com indagações sobre meu próprio estado e o que devo fazer para
sair dele, se for o caso. Há uma voz dentro do globo, ou fora dele, permanentemente
empenhada em lembrar que estou trancado num ambiente sem portas e aqui devo
ficar até encontrar a saída. A geometria é inadequada para meu corpo e tem sido
assim desde que nasci, há não sei quantos anos. Conjecturo que é um universo
particular e um local de castigo. Sigo os ensinamentos que a voz também passa,
em horas alternadas, sobre outras dimensões, espaços externos bem mais amplos,
onde as pessoas circulam de outra forma, sem necessidade de contorcionismos, e conseguem
percorrer longas distâncias, encontrar uma às outras, levar uma vida sem
conhecimento deste globo.
Deus 1, Deus 2
No primeiro instante do universo, quando o Deus 1 disse
"faça-se a luz", uma voz surgida do nada, como tudo naquele momento,
reclamou em forma de estrondo: "epa, essa ideia é minha". No debate
autoral que se seguiu, Deus 1, também vindo do nada, a princípio entrou em luta
com seu oponente, Deus 2, jogando partículas em sua cara, mas esses senhores
recém-chegados ao processo de expansão do Cosmo viram que a coisa continuava
sem a participação deles e resolveram chegar a um acordo. O universo já estava lá adiante, cheio de gás,
quando os dois deuses decidiram que um cuidaria do espaço e o outro do tempo.
Mas logo viram que eram a mesma coisa, espaço-tempo, e o debate continuou até o
surgimento da Terra, em que resolveram aportar por causa da boa localização e
do clima relativamente ameno. "Eu vou ficar por aqui", contou o Deus
1. O outro foi embora, para ver onde aquilo ia dar.
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