segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Globo


No espaço curvo onde me encontro as perguntas não têm respostas. Não basta a falta de um canto para encostar e estirar as pernas, não basta o desconforto de estar arqueado no oco, não basta o tempo passado num lugar sem referências, e ainda me vêm com indagações sobre meu próprio estado e o que devo fazer para sair dele, se for o caso. Há uma voz dentro do globo, ou fora dele, permanentemente empenhada em lembrar que estou trancado num ambiente sem portas e aqui devo ficar até encontrar a saída. A geometria é inadequada para meu corpo e tem sido assim desde que nasci, há não sei quantos anos. Conjecturo que é um universo particular e um local de castigo. Sigo os ensinamentos que a voz também passa, em horas alternadas, sobre outras dimensões, espaços externos bem mais amplos, onde as pessoas circulam de outra forma, sem necessidade de contorcionismos, e conseguem percorrer longas distâncias, encontrar uma às outras, levar uma vida sem conhecimento deste globo. 

Deus 1, Deus 2


No primeiro instante do universo, quando o Deus 1 disse "faça-se a luz", uma voz surgida do nada, como tudo naquele momento, reclamou em forma de estrondo: "epa, essa ideia é minha". No debate autoral que se seguiu, Deus 1, também vindo do nada, a princípio entrou em luta com seu oponente, Deus 2, jogando partículas em sua cara, mas esses senhores recém-chegados ao processo de expansão do Cosmo viram que a coisa continuava sem a participação deles e resolveram chegar a um acordo.  O universo já estava lá adiante, cheio de gás, quando os dois deuses decidiram que um cuidaria do espaço e o outro do tempo. Mas logo viram que eram a mesma coisa, espaço-tempo, e o debate continuou até o surgimento da Terra, em que resolveram aportar por causa da boa localização e do clima relativamente ameno. "Eu vou ficar por aqui", contou o Deus 1. O outro foi embora, para ver onde aquilo ia dar. 

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