Não conte comigo para achar lógica nas
coisas. Não sou bom nisso e você tira por minha vida, onde sempre fiz o
contrário do que deve ser feito, nunca segui manuais, preferi erro e acerto, a
maior parte erro, e às vezes chego num canto, num fundo, num muro e esbarro em
outras coisas que impedem até mesmo as tentativas ou as tornam desnecessárias.
Nesse estado me encontro agora, enquanto você pede conselhos para seu infortúnio,
bem menor do que o meu, quase nada em relação aos problemas que não tenho
enfrentado ultimamente, pois prefiro ficar à espera, parado no tempo, e este é
outro problema, senão o maior de todos. Mas também é uma solução.
Só aos detalhes me apego, num voo da abelha,
por exemplo, e deixo para amanhã ou para nunca uma entrevista de emprego, a
arrumação da casa e o cuidado com a saúde. Meu cabelo cresce e não aparo, adio
ainda o dentista, porque adiei o trabalho que faria para pagar o dentista, e
deixo para outra hora a abertura de envelopes de cobrança, o condomínio
atrasado e uma conversa com Adélia, cujo tema já é conhecido e chato, o mesmo
de sempre, se ajeite, acorde, saia dessas etc.
Você tem um problema. Eu tenho um
entrelaçamento de problemas e espero que todos se revolvam por si próprios, a
partir do nada, prescrevam, percam a validade, deixem de importar, sei lá,
qualquer acontecimento fora do normal, um milagre, talvez. O monstro só faz
crescer de forma desordenada, e algumas partes dele ganham mais urgência do que
as outras, virando uma bagaceira em que não adianta resolver nem mesmo o
problema principal, porque ficaria sem forças para os de menor porte. Os
problemas secundários, não tão secundários assim, trabalham de forma
independente e cada um guarda seu grau dificuldade. Entende? É como estar num caso
crônico e agudo ao mesmo tempo.
Sou, portanto, menos preparado nessas
horas. Não trato de mim, como tratar dos outros? Por sorte existem diversos na
mesma situação, conheço vários, e com eles convivo num clima mais confortável.
Ninguém cobra ninguém para não lembrarem-se da própria inércia e dos planos
preteridos. Fugimos desses assuntos, como se não existissem, pelo menos na hora
em que tomamos umas cervejas e outras coisas e deslizamos na conversa mole, nas
frases sem sentido, no voo de uma abelha sobre nossa mesa, no mesmo boteco,
onde penduramos contas e parte da vida.
Sempre estamos esperando por mudanças, mas nem
tanto, às vezes só o acaso resolve, e por isso, por não mexer uma palha para a
ocorrência de algo, seja o que for, é que simplesmente perdemos a noção de que
as dificuldades se avolumam de qualquer jeito, por conta própria, enquanto a
resolução de certos casos, ou de quase todos, requer a nossa presença. Nós não
saímos do lugar. O que acontecer, aconteceu e pronto. Também fingimos que não
temos demandas morais. Tudo fica por conta do momento, um atrás do outro, numa
sequência de noites, porque dormimos durante o dia.
A pergunta é por que vivo e vivemos assim e
não de outra forma, seguindo a rotina e a regularidade, respeitando as
convenções e os expedientes. Não tenho resposta. Especulo apenas – e não espero
ser seguido por você em minha experiência. Especulo apenas que a vida é breve e
os tijolos empilhados cairão de uma forma ou de outra, em algum instante, seja
você um empreendedor ou um vagabundo. Pelo menos sorvo o real – ou próximo
disso -, em doses de álcool, sexo ocasional e na mais doce experiência humana –
o sono. Não falo dos sonhos. Apenas do momentum em que deslizo para a
inconsciência, ainda sabendo quem sou, e quando acordo, espero repetir a mesma
dormência dos sentidos.
Há muitas desvantagens sociais nessa forma
de vida, mas fosse o contrário, fosse eu um homem de intensas possibilidades e
negócios, em algum instante, quando se apagarem as sensações, tudo dará no
mesmo.
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