Saído das nuvens, o Deus Todo Poderoso
estava enfim visível, mostrando sua cara do tamanho do sol, cheio de energia – 3,83
x 1033 ergs/s de ergs/s - e bem humorado. Não era esperada uma
figura assim, tão descontraída, pois antes dela reinava em nossas mentes a ira
do senhor, uma imagem severa anunciando o fim dos tempos e amparando os seus.
Não. Deus veio só dar uma olhada e pôr fim à descrença geral. Só faltou dizer “vejam
aqui, eu existo”,
mas nem foi preciso. Contudo, a sensação de júbilo, aos pés da Providência, não
durou muito.
Não O víamos direito por causa da luz, mas
Ele falou. Todos prestaram atenção quando Deus falou em vida eterna, depois da
morte, ou antes dela, sabe-se lá. Nessa hora as pessoas ficaram confusas, sem
saber se acabariam na terra ou teriam uma existência infinita. Deus falou por parábolas
e não houve rodada de perguntas.
Mas Ele não perdeu a elegância e a
humildade. Estava lá, bilênios depois do início de tudo, cuidadoso para não
interromper nosso cotidiano, escolhendo as palavras para não ofender ninguém,
embora estivesse se dirigindo a todos. O curioso é que nenhum de seus filhos
aqui na Terra foi citado. Preferiu conversar sobre física e futebol. Ele disse
também que não tinha controle sobre nossas vidas. Uns acharam bom; outros,
ruim. Muito mais gente achou ruim.
Apesar da indescritível aparição, assim,
sem mais, as pessoas passaram em seguida, questão de minutos, depois do susto, a
questionar a utilidade daquela magnificência. Se o negócio da vida eterna
continuou no ar e se Deus não conduz nossas vidas, para que, afinal, Ele serve?
Ou, por outra, o que ele veio fazer aqui?
Impressionante como as coisas perdem valor
neste planeta. Um acontecimento daquela grandiloquência logo é tratado como
inferior às expectativas, e houve aqueles que deram as costas para o show,
foram embora. Um anticlímax para a maioria. Todos pretendiam um Deus mais
centralizador, ciente de todos os atos de cada um, um por um, e ainda
responsável pelo que se passa no universo, no meio das estrelas e no coração da
matéria. Deus, no entanto, disse que era apenas um estudioso do assunto. Dai a
decepção.
Enquanto Deus mantinha a custo uma pequena
plateia atenta, a maior parte entediou-se com a apresentação e depois veio um
sentimento mais complicado, de abandono, uma vez que o Todo Poderoso não era
tão poderoso assim; mesmo com sua potência equivalente a 10 bilhões de grandes
hidrelétricas. Poderia ter usado esse arsenal contra nós, e faria ali um Armagedon,
caso quisesse, mas Deus, ao contrário do que pensam, não tem planos. Tem bom
senso. Mostrou que jamais faria uma maldade daquela com a gente.
O essencial, porém, virou detalhe. Não
perceberam a verdadeira bondade, quase inconsciente, daquela criatura em
resplendor. Eu fiquei e via homens, mulheres e crianças desdenharam o ato,
apesar do ineditismo, alguns com considerações intelectuais, sentindo-se
superiores. Todos esses tinham uma opinião.
Para o ateu a presença de Deus era ao mesmo
tempo a negação de sua existência. Sem perder o estilo, Deus explicou que
possui algumas funções esperadas, e citou como exemplo sua capacidade de estar
em vários lugares ao mesmo tempo. Não adiantou.
Argumentaram que um elétron, bem menor do que Ele, faz a mesma coisa. Os
crentes adotaram outra versão: o verdadeiro estava por vir e aquilo era só um
sinal.
A atmosfera incendiada de cores e a boa
dicção do Criador, ou mero observador privilegiado, seja como for; nem isso, nem
a queda de tarde com a suma surpresa; nada, nada prendeu os espectadores até o
último ato. Além da demora, o inconveniente dos olhos ardidos de tanta
claridade. O principal é que esperavam mais do Supremo.
Deus tentou de tudo, a meu ver; tentou
fazer piada com a situação – e nisso foi sutilíssimo –, tentou prender a atenção
com alguns truques, mas o grosso da plateia já se dissipava. Ficaram aqueles
realmente pios, os que não queriam constranger o visitante e uns vagabundos. O show
foi perdendo plateia, ora aos poucos, ora em turbilhão, e chegou a um ponto em que
restamos nós, bem poucos, em se tratando do que se tratou.
Ao final de um longo e penoso dia, Deus partiu.
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