Elói
Algumas pessoas fracassadas têm forte
autoestima e assim levam a vida, minimizando aqui e ali, como fazia o artista
da pequena cidade onde eu nasci. Artista autodenominado, pois todos o conheciam
apenas por ser Elói, o coitado, um cara sem emprego. Elói era um homem de diversas artes – da
capoeira à literatura -, mas nenhuma delas nunca lhe deu um tostão durante a
vida. Tinha muitos planos não realizados – continuam de pé, sempre dizia – e
pequenas mentiras incorporadas à verdade no decorrer dos anos. Caso de uma
viagem a Paris, nunca feita. Por trás de dele, no entanto, todos lamentavam
perversamente sua falta de talento.
Mas as pequenas cidades são generosas, no
final das contas. Hoje existe um busto
de Elói diante do paço municipal.
O parto
Os gêmeos nasceram disputando espaço, desde
o útero, um tentando deixar o outro para trás na hora do parto, cabeça contra
cabeça, uma competição selvagem, batalha de vida ou morte no líquido amniótico.
Suspensa as vias naturais, dada a violência da briga, a cesariana tornou-se um
espetáculo pavoroso, nunca visto na obstetrícia, pois os bebês se engalfinhavam
e quando tinham chance erguiam a mão, em busca de resgate, num choro que
parecia grito. Saíram dois estranhos ofegantes, e o primeiro a ser puxado esboçou
uma cara de desdém para o segundo, que exibia revolta e estava vermelho de
raiva. Como Ares e Hefesto, filhos de Zeus, e Caim e Abel, filhos de Adão, os
gêmeos estariam destinados a uma vida de conflito permanente. O médico, no
entanto, tranquilizou os pais: “a concorrência é saudável em nossa economia de
mercado”.
Claustro
Não havia nada a ver pelo buraco da fechadura.
Só uma claridade branca, estourada, equivalente ao escuro em termos de
observação de movimentos. Ou pior, pois não se podia lançar uma luz naquele
ambiente, uma vez que a luz já estava lá com toda sua força. O que restava era a casa, a porta, e só era
possível olhar para trás, onde estavam os móveis e não havia janelas.
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