De vez em quando a felicidade irrompe. Dura
mais ou menos uma hora. A paz se instala num só canto da imaginação inquieta,
produzindo uma terceira coisa, não nomeada, mas confortável e agitada ao mesmo
tempo, como se isso fosse possível – e talvez seja. Ninguém imagina que a felicidade estará em
breve, em todos os mercados, vendida como Iphones.
No início, o homem vivia a questão acima, mas
longe dele querer passá-la adiante. Estava interessado em si próprio, em sua
relação com o mundo particular que construiu em anos de pesquisa. Felicidade
para uso privado. Apenas ele experimentava a doce sensação de uma hora
inesquecível, pois serviria também à memória, sobrepujando, com o tempo de uso,
todas as situações desagradáveis registradas. Nesses momentos, o personagem
apresenta certo ar operístico, especialmente quando contempla o Atlântico. Ele
não olha para o mar - contempla o Atlântico. Usa suspensório. Um egoísta,
portanto. Um homem com todos os defeitos do mundo e que é capaz de ser genuinamente
feliz – misteriosamente feliz por uma hora – e ainda refletir sobre sua posição
nisso tudo.
O tempo passa e problemas práticos
aparecem. Eis que é preciso vender alguma felicidade para sobreviver e manter o
vício. Tempos de fusões e aquisições. Também uma oportunidade de ser mais feliz
ainda, por mais tempo, na condição de criador desse ramo da satisfação e do
prazer.
O empreendimento ainda não começou, mas
está em planilhas, bem traçado, e o plano de negócios inclui um detalhado
perfil do consumidor. Quase todo mundo deseja o produto. O que se discute agora
– e nesse ponto entram mais personagens, os executivos - é como lidar com as
acusações de que o homem está vendendo uma felicidade ilusória e, além disso,
com efeitos desconhecidos, também capazes de desviar as pessoas de sua vida
diária, influir na produção de bens e serviços e por fim arruinar a economia do
País.
- Não é ilusão, explica o homem, em sua
conferência aos acionistas, deixando transpirar segurança nas afirmações. Não é
ilusão, segundo ele, porque o produto passou por todos os testes de realidade e
se saiu bem.
- Oferecemos uma situação completa, tão
real quanto a real – acrescentou o personagem, claramente sob efeito de sua
hora de felicidade. – Não se trata da criação de um novo mundo, mas da
imposição da vontade individual; quero isso, quero aquilo, e logo os objetos e
situações estarão a seu dispor, portando os mesmos átomos do dito mundo real.
Dura pouco, tudo bem; mais do que uma por dia mata, vá lá, mas é o melhor que
temos a oferecer no momento. Há gente que passa a vida inteira sem sequer vinte
minutos de felicidade digna de ser lembrada. Agora temos uma hora, todos os
dias; mais na frente, quem sabe, teremos mais tempo, até chegarmos ao dia
inteiro.
- E depois? – perguntou um acionista, no
auditório.
- Depois a gente vende algum tédio?
Nenhum comentário:
Postar um comentário