quinta-feira, 21 de abril de 2016

A felicidade que se compra



De vez em quando a felicidade irrompe. Dura mais ou menos uma hora. A paz se instala num só canto da imaginação inquieta, produzindo uma terceira coisa, não nomeada, mas confortável e agitada ao mesmo tempo, como se isso fosse possível – e talvez seja.  Ninguém imagina que a felicidade estará em breve, em todos os mercados, vendida como Iphones.

No início, o homem vivia a questão acima, mas longe dele querer passá-la adiante. Estava interessado em si próprio, em sua relação com o mundo particular que construiu em anos de pesquisa. Felicidade para uso privado. Apenas ele experimentava a doce sensação de uma hora inesquecível, pois serviria também à memória, sobrepujando, com o tempo de uso, todas as situações desagradáveis registradas. Nesses momentos, o personagem apresenta certo ar operístico, especialmente quando contempla o Atlântico. Ele não olha para o mar - contempla o Atlântico. Usa suspensório. Um egoísta, portanto. Um homem com todos os defeitos do mundo e que é capaz de ser genuinamente feliz – misteriosamente feliz por uma hora – e ainda refletir sobre sua posição nisso tudo.

O tempo passa e problemas práticos aparecem. Eis que é preciso vender alguma felicidade para sobreviver e manter o vício. Tempos de fusões e aquisições. Também uma oportunidade de ser mais feliz ainda, por mais tempo, na condição de criador desse ramo da satisfação e do prazer.

O empreendimento ainda não começou, mas está em planilhas, bem traçado, e o plano de negócios inclui um detalhado perfil do consumidor. Quase todo mundo deseja o produto. O que se discute agora – e nesse ponto entram mais personagens, os executivos - é como lidar com as acusações de que o homem está vendendo uma felicidade ilusória e, além disso, com efeitos desconhecidos, também capazes de desviar as pessoas de sua vida diária, influir na produção de bens e serviços e por fim arruinar a economia do País.
- Não é ilusão, explica o homem, em sua conferência aos acionistas, deixando transpirar segurança nas afirmações. Não é ilusão, segundo ele, porque o produto passou por todos os testes de realidade e se saiu bem.

- Oferecemos uma situação completa, tão real quanto a real – acrescentou o personagem, claramente sob efeito de sua hora de felicidade. – Não se trata da criação de um novo mundo, mas da imposição da vontade individual; quero isso, quero aquilo, e logo os objetos e situações estarão a seu dispor, portando os mesmos átomos do dito mundo real. Dura pouco, tudo bem; mais do que uma por dia mata, vá lá, mas é o melhor que temos a oferecer no momento. Há gente que passa a vida inteira sem sequer vinte minutos de felicidade digna de ser lembrada. Agora temos uma hora, todos os dias; mais na frente, quem sabe, teremos mais tempo, até chegarmos ao dia inteiro.

- E depois? – perguntou um acionista, no auditório.

- Depois a gente vende algum tédio?


Nenhum comentário:

Postar um comentário