sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

A última ceia



- O que temos pra hoje?  - perguntou ele, com voz de apetite, enquanto uma única panela esquentava no fogão com três batatas. Eram as últimas batatas. Eram três batatas pequenas. Os olhares em torno do fogo baixo reprovaram o jovem faminto, seu alheamento da realidade, porque esta seria a última ceia. A partir dali a família estaria oficialmente desfeita.  Nem casa nem comida nem roupa lavada.  Cada um trataria de si.

Solução prática. Alimentar todos, todos os dias, estava se tornando uma logística difícil. Ninguém tinha emprego. Ninguém tinha dinheiro. Só o jovem, filho do meio, se comportava como se ainda houvesse galinha ensopada na mesa e até frutas da estação da feira que não existe mais.  

Combinaram que alguns laços familiares seriam mantidos, dentro do possível, mas eventuais ganhos de seus membros, em trabalhos cada vez mais escassos, só para quem trabalhou. Caberia algum agrado em relação aos mais novos e idosos. Ninguém, no entanto, estava obrigado a uma contribuição regular e estabelecida.

Separar para sobreviver foi a forma escolhida pelos pais e o filho do meio achava o contrário, que era apenas uma fase; não o encerramento de um jeito de levar a vida. Na cidade, as pessoas já comiam em cochos da caridade, sem talheres ou modos. De vez quando, um cachorro era chutado para longe da refeição humana.

O rapaz não perdia o jeito de antigamente, da extinta classe média. Mesmo quando as batatas foram postas, repartidas, e só lhe restou um pequeno pedaço, ele comeu com gosto, elogiou “a entradinha” e foi pegar uma praia. 

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