- O que temos pra hoje? -
perguntou ele, com voz de apetite, enquanto uma única panela esquentava no
fogão com três batatas. Eram as últimas batatas. Eram três batatas pequenas. Os
olhares em torno do fogo baixo reprovaram o jovem faminto, seu alheamento da
realidade, porque esta seria a última ceia. A partir dali a família estaria
oficialmente desfeita. Nem casa nem
comida nem roupa lavada. Cada um trataria
de si.
Solução prática. Alimentar todos, todos os
dias, estava se tornando uma logística difícil. Ninguém tinha emprego. Ninguém
tinha dinheiro. Só o jovem, filho do meio, se comportava como se ainda houvesse
galinha ensopada na mesa e até frutas da estação da feira que não existe mais.
Combinaram que alguns laços familiares
seriam mantidos, dentro do possível, mas eventuais ganhos de seus membros, em
trabalhos cada vez mais escassos, só para quem trabalhou. Caberia algum agrado
em relação aos mais novos e idosos. Ninguém, no entanto, estava obrigado a uma
contribuição regular e estabelecida.
Separar para sobreviver foi a forma
escolhida pelos pais e o filho do meio achava o contrário, que era apenas uma
fase; não o encerramento de um jeito de levar a vida. Na cidade, as pessoas já
comiam em cochos da caridade, sem talheres ou modos. De vez quando, um cachorro
era chutado para longe da refeição humana.
O rapaz não perdia o jeito de antigamente,
da extinta classe média. Mesmo quando as batatas foram postas, repartidas, e só
lhe restou um pequeno pedaço, ele comeu com gosto, elogiou “a entradinha” e foi
pegar uma praia.
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