Tantos avisos desnecessários e o principal
não veio – a comida. Disseram que os caminhões chegariam dentro de duas
semanas, mas até agora só informes públicos sobre “a situação”. Afixaram
cartazes anunciando que não há novidades sobre a volta da moeda e do
fornecimento de energia. O comércio fica fechado até segunda ordem. Coisas que
já sabíamos.
Ando pela cidade. Passei na Feira de Trocas
e na tenda da Cruz Vermelha. Consegui
três ovos por um celular sem sinal, que serve de relógio, embora poucos se
preocupem com a passagem do tempo. Existe uma variada oferta de produtos,
incluindo destilados de fabricação caseira, remédios vencidos e roupas usadas.
O ideal é sair de casa cedo e só voltar à
noite, para dormir, pois moro no 17º andar e os elevadores estão parados. Leio
durante o dia nos bancos de praça. Muitos leem nesses lugares. Ontem, na Feira,
troquei uma lata de sardinha por dois exemplares da coleção “Grandes Mestres da
Literatura”, ainda na ortografia antiga, cheio de “êles” e tremas. Nunca se leu
tanto.
Alguns e se estabeleceram ali para fazer negócios
- adquirir carros, por exemplo. Carros perderam o valor porque não há gasolina.
Mas têm partes úteis para outras aplicações, como as baterias e os assentos. Na
semana passada, uma notícia da AFP, captada por rádio – a internet deixou de
funcionar – mostrava a Feira de Trocas quase como atração turística, e talvez fosse,
caso houvesse voos regulares para cá. Tinha um por semana; agora só os
militares e fretados.
Por enquanto, tudo é incerto, embora as
autoridades estejam empenhadas em restabelecer o adequado funcionamento do país
e em manter a ordem pública, conforme dizem os informes oficiais. Mas as
autoridades ainda não sabem o que fazer. Encontrei o ministro da Economia
sentado no meio-fio, chupando uma manga, alheio ao movimento das ruas.
Muitos foram embora atrás de oportunidades
e empregos em países vizinhos. Os que ficaram se tornaram iguais. Os pobres e os
que tinham bons postos no serviço público e na iniciativa privada passam por
iguais problemas, ou seja, restou apenas uma classe, carente dos mesmos
produtos da Feira de Trocas e dos caminhões de comida, que sempre atrasam e um
dia deixarão de vir.
Mas há calma, muita paciência e um vaivém
pacífico nos escombros da avenida principal. As pessoas se adaptam. Parece que
sempre foi assim.
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