Quando tínhamos TV, vi um programa sobre o
mundo sem pessoas. Cidades tomadas pelo mato, prédios rachados, tigres e
rinocerontes passeando em grandes avenidas. Os animais de grande porte ainda
não chegaram, mas o resto é parecido. Acabou a água encanada e a luz elétrica.
Não há negócios nem empregos para mover o dia. Apenas circulamos por ai, atrás
de novidades e restos úteis de lixo antigo. À noite, nos sentamos em volta
fogueira, como nos primórdios do fogo, e assamos cães vadios à moda chinesa.
Já se passaram muitos anos desde o evento
que nos deixou cercados por edifícios cobertos de junça, a pior erva daninha do
mundo, e mesmo assim achamos comida em apartamentos tomados pelo lodo; comida
vencida no século passado, quando existiam indústrias e supermercados. Além de
aparelhos de som e pilhas, que ainda guardam energia. As pilhas e o fogo movimentam
a sociedade, plenamente adaptada aos novos tempos. Dá para ir levando porque a
população foi bastante reduzida pela falta de prática num ambiente tão
necessitado.
Dizem que o governo central mantém-se na
capital, igualmente estragada pelo tempo, mas dele não temos notícia há meses.
Os informes oficiais não chegam mais, por falta de combustíveis para os carros
oficiais; se é que sobraram carros e mesmo que tenham sobrado as estradas estão
sob o mato.
Não sei se sou a pessoa ideal para contar o
que sucedeu aqui, mas existe pouca gente ocupada nessa área. Tomei o ofício
para matar o tempo. Também não sei quem serão os leitores de tal situação, pois
em nosso passado havia mais leitores e até livrarias e hoje não há nada disso.
Nosso passado tinha tudo que não temos hoje, nesta parte da vida, e é estranho
que para trás tenha ficado também a nossa ficção científica, já concretizada e
desfeita, e o agora vivemos num um romance de época remota - a tentativa de
começar de novo, a partir de quase nada, ou de ficar parado, vendo o que
acontece.
Claro, restam alguns livros e quem não
viveu aquela época, cheia de modernidade e conforto, pode ter uma ideia de como
era a vida quando as coisas funcionavam. Máquinas de lavar, jogos eletrônicos,
partículas entrelaçadas e linhas regulares de metrô. Tudo encolheu, talvez até
as estrelas tenham desistido da sua expansão, voltando ao momento inicial, à
singularidade em que nos encontramos.
Mas vive-se, mesmo assim. Soube de
casamentos e partos, festas para celebrar o fim das chuvas, assembleias para
discutir o passado e o presente e a instalação de um precário serviço de alto-falantes,
que às vezes toca Contigo en la Distancia,
de César Portillo De La Luz.
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