Ed.
Vamos ficar apenas com um elevador, informou
o síndico, sem antever nem imaginar o que viria. Foi rápido. Logo, o porteiro estava
demitido, metade do prédio já não pagava o condomínio, e, aproveitando-se da
falta de segurança, veio um ladrão e assaltou três apartamentos. Os moradores
mataram o ladrão quando ele tentava fugir pelas escadas. O curioso é que
ninguém se lembrou de chamar a polícia. Jogaram o corpo no meio da rua, sem
saber se faziam aquilo para dar um exemplo ou protestar contra a ausência do
Estado. Cinco pessoas perderam seus empregos;
a do 401 atirou-se do 401. O homem do 202 morreu de causas naturais.
K.
Uma barata passeia livremente dentro do
apartamento sem móveis e nem liga para a presença do homem deitado, nu, no meio
da sala; vez por outra, como um animal amestrado, a barata passa por cima do
corpo e faz pequenas piruetas em torno do umbigo do homem. O homem se levanta,
respira fundo, e vai para o saco de dormir no quarto, sentindo-se também um
inseto. Agora, ela também está no quarto, circula como Fred Astaire nos rodapés
e emite um som melancólico de seus espiráculos; bastava um microscópio e
veríamos um olhar expressivo e solidário para o homem.
ASDFG.
Bastava ter ginásio completo e curso de
datilografia. Logo uma colocação no serviço público. Ele gostava das máquinas
de escrever. Quando chegava ao fim da linha, rolava o cilindro de volta como
quem recarrega uma arma, e repetia o mesmo gesto muitas vezes e era bonito
quando todos no escritório estavam em sincronia; parecia uma orquestra. Ele
preferia o barulho surdo das teclas sobre papeis intercalados de carbono.
Quanto mais cópias, mais surdo o barulho. Quanto mais força, mais as letras
chegavam mais nítidas à última folha. Às
vezes, o chefe aparecia para perguntar quem datilografou isso aqui e reclamava
ou dizia meus parabéns. Aprendeu num curso noturno. ASDFG até pegar prática,
até escrever sem olhar para a máquina, até conseguir usar os cinco dedos, até
escrever a última carta, em três vias, a quem interessar possa.
NY
O pequeno apartamento era muito pequeno. A
cama ocupava a sala inteira. Um banheiro espremido no canto e uns cinco palmos
de recuo para a pia. Quando eu saía para o trabalho, recolhia a cama à sua
posição vertical, varria o chão e armava no espaço vazio uma mesa com um jarro
de flores. Pensava muito naquela providência, pois estava arrumando a casa para
nada. Ninguém iria ver a decoração. Nunca recebi visitas. Na volta do trabalho, desfazia tudo,
deitava, olhava para o teto creme, pensava na volta ao meu país e dormia. O
barulho da cidade ajudava. Som contínuo de sirenes, trânsito mesmo na
madrugada. Às vezes pensava em abrir a janela, que corria na lateral, mas a
vista era apenas a parede do prédio vizinho, em tijolo aparente. Abaixo, um
precipício sem luz e algumas vozes. Minha principal atividade noturna era descer
à lavanderia, que ficava no subsolo. No meio de pessoas caladas, poderia
ressurgir a moça do 27º andar, que tinha um tique nervoso, mas era bonita; ou o
dominicano que cantava baixinho sucesso de Cuco Valoy, para si mesmo, enquanto
esperava a roupa secar. Quando eles não estavam lá, eu quase só olhava para a
escotilha da máquina, como se fosse TV, cuecas e meias torcidas formando
imagens de coisas e gente. Basicamente isso consumiu sete anos da minha vida.
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